As asas que um dia tive... Ana Fonseca da Luz
Por que voo eu tanto? – pergunto, olhando para o azul morno, como se, a qualquer momento, pudesse realmente levantar voo e fazer-me ao céu, como quem se faz à estrada, para mais uma caminhada.
Por que teimo eu em ajustar umas asas que só eu vejo e que, de imponentes, apagam a minha sombra que se desfaz no chão?
Deixo cair umas penas, um punhado de penas, brancas, imaculadas.
Afasto com as mãos, num gesto lânguido e sereno, o vento que me quer desviar do meu percurso e beijo o ar que respiro…
Amanhece, devagar. Tão devagar, que consigo ouvir o tempo balançando, soluçando, desfazendo-se em minutos… segundos.
Por que voo eu tanto? – pergunto eu, sabendo que ninguém me vai responder, simplesmente porque, cá em cima, ninguém me ouve, ninguém me vê, ninguém me acompanha, neste voo solitário.
Abrem-se flores, quando passo, no meu voo rasante. Iluminam-se olhares há muito apagados, quando as minhas penas roçam as almas dos infelizes, dos que não sonham…
No chão, as minhas penas brancas, imaculadas, repousam, à espera que o vento as leve para longe.
Olho-as com mágoa… estão perdidas. Perdidas para sempre.
Continuo o meu voo alucinado e breve. Tão breve como uma nota de música que ecoa solitária. Tão breve como um adeus que morre nos lábios, antes de ser dito. Tão breve como um sonho desfeito levado por uma onda. Tão breve como breve é a nossa vida.
Por que voo eu tanto? – pergunto, perdendo mais uma, outra pena e tentando suportar um voo que me parece ser o último.
Plano sobre a minha vida. O tempo desfaz-se, sem misericórdia e abafo no peito um grito inaudível.
Tento manter-me assim. Agarro-me à esperança e apoio-me na teimosia.
Finalmente, a noite nasce. O céu enfeita-se de estrelas e guarda o azul para poder deixar brilhar a lua.
Cansada, perdida, desço à terra, porque o céu já não é só meu.
Aninho-me no punhado de penas brancas, imaculadas que perdi durante o voo.
“Amanhã é outro dia”, digo, baixinho, reparando que me restam ainda algumas penas das asas que um dia tive…
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