Não te vou dizer que não... Ana Fonseca da Luz
Não te vou dizer que não, porque “não” é uma palavra que me custa dizer. Vou ficar. Pronto, vou ficar contigo. Mas quem fica contigo nesta casa, nesta cama, nesta vida, não sou eu, porque eu, há muito que parti. Só tu não reparaste!…
Parto, sempre que chegas, mas não notas!
Parto, quando me abraças, mas não sentes!
Parto, quando me falas e eu não te oiço!
Parto até, imagina, quando estou farta de mim!
Estou aqui sentada, com o olhar perdido nem eu sei em quê e com o coração inundado de lágrimas, que tu me proíbes de chorar. Queres que te diga que sou feliz, que és tudo para mim, que não vejo outro sol senão o teu?! Pois desengana-te. Não sou feliz, não te amo, não te quero, não te suporto! A tua simples presença, mesmo quando estás calado, é-me insuportável.
Isto era tudo o que eu precisava dizer-te, se tivesse coragem. Mas não tenho… Vou continuar a ouvir-te, a ver-te e a possuires-me, enquanto eu fecho os olhos e parto mais uma vez para fora de mim. Como eu te odeio! Como me causas asco e pena! É, tenho pena de ti!
Quantas vezes, quantas, pairo pela nossa casa, como se fosse um fantasma, como se estivesse em coma, num coma profundo! Será possível que não vejas?! Será possível que não me sintas distante, confusa, amorfa?!
Sempre que me sorris e me forças a dizer-te que gosto de ti, sorrio-te e digo-te o que queres ouvir, porque não te sei dizer que não, porque esta que te diz que sim a tudo é uma mulher que tu não conheces… Rasgo-me por dentro e represento o meu acto, mais uma vez. Hoje sou uma pedinte, amanhã a tua presa e, daqui a algum tempo, a louca que se embebeda com lembranças distantes, para poder suportar mais um dia, mais uma semana, mais um ano.
Dói-me a vida! Dói-me… dói-me tanto!
Hoje, estou sozinha. Não vieste. Hoje posso ser um bocadinho eu, mas pouco, muito pouco eu, porque já encarnei no papel desta mulher que aprisionaste e já me esqueci de quem realmente sou. Ou antes, já esqueci a mulher que um dia fui… Para mim, é sempre Inverno, todas as outras estações me são negadas por ti. Para mim, é sempre noite, sem luar, sem estrelas. Para mim, a vida é sempre um tormento. Para mim, a vida… Qual vida? Para mim…
Interrompo os meus pensamentos, porque, afinal, resolves voltar para casa, hoje. Logo hoje que eu queria chorar, logo hoje que me queria afogar nas minhas dores. Chegas com o teu sorriso triunfante de caçador e olhas para mim, a tua presa indefesa. Torturas-me com perguntas. Queres saber o que fiz, com quem falei, até em que pensei. Preferia que me batesses. Doía menos! Mas não. Arrastas-me para a cama e tens o meu corpo e sorves todas as minhas energias e abandonas-me finalmente, no fim de saciado. Eu permaneço no escuro. Olhos abertos, sem ver.
Oiço-te finalmente ressonar. Se ao menos morresses… Levanto-me o mais silenciosamente que posso, rastejo na escuridão, para que não me oiças, para que não acordes. Não suporto o cheiro que deixaste no meu corpo… Lavo-me, esfrego-me, quase arranco a pele tentando apagar o teu cheiro, apagar-te a ti. Mas não consigo.Se ao menos eu pudesse chorar!…
Quando olho, já estás ao pé de mim. Queres saber por que me levantei. Por que não fico na cama contigo. Em quem estou a pensar. Não sei como, porque não sou eu, digo-te, num fio de voz, que já não gosto de ti. Olhas-me, enraivecido, capaz de me matar só com o olhar. Avanças para mim, grande, bruto e dizes-me que te quero matar. Que as minhas palavras te matam. Encostas-me à parede e dizes-me: “Vá, mata-me!” Como não te sei dizer que não, agarro no candeeiro de ferro e dou-te com ele na cabeça. Uma, duas, três vezes…talvez mais. Cais a meus pés…Grande, bruto, ensanguentado. Tens os olhos abertos, mas já não vês. Tens a boca aberta, mas já não falas.
Sento-me ao teu lado e segredo-te ao ouvido:
- Queres que te diga que gosto de ti? Está bem, não te vou dizer que não…
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