Dia 35.















Devolve a luz que me roubaste. A luz da minha carne, da
minha cama, a luz que agora corre em incertos rumores.
De olhos absurdos, repara como a noite é a pele da minha
alma e como me visto com a recordação de outros dias.
Num altar de penumbra permanecem as minhas mãos, mas as preces são apenas a música do ar, minúsculos sons que se libertaram e que vão regressando à superfície dos objec-
tos.
Devolve a luz que me roubaste. A luz que tinha o rio que
há em mim, a luz de mim, a luz que cantava nos meus versos. Essa luz merecida pelos meus braços, pelos meus
sentidos, pelas minhas palavras.
Devolve-a. para que eu não tenha de encostar o rosto à
noite, e para que não sinta medo até amanhecer.
Devolve-a, porque o tempo é juiz desse teu roubo, e por-que tudo é escuro na sua consciência.
Devolve-a, porque os dias se acabam quando acaba a luz.
Devolve-a, porque a humilhação e as lágrimas são troféus
que o escuro reclama. E porque prefiro, então, cegar os
olhos.
Por favor, devolve a luz que me roubaste.

in ANO COMUM

AMO-TE


Amo-te do mesmo modo, que a borboleta ama a flor,
onde poisa, cautelosa e leve.
É por isso que os nossos voos são um constante versejar de pétalas,
que rimam com a tua boca de morango,
e o teu corpo de marfim.
Esculpo-te com os meus dedos, breves,
quando regressas,
saudosa,
feita mulher,
só para mim…
Depois, o momento para!
Abre-se a janela do tempo
E a borboleta, cansada,
Pousa uma última vez
Na pétala colorida de cetim.
Amo-te do mesmo modo,
precisamente do mesmo modo,
como me amas a mim…

SEDUÇÃO


Primeiro é o olhar, manso, disfarçado…
A boca que desenha um sorriso… envergonhado.
E o joelho, meio escondido, meio mostrado…

Depois a mão que toca na mão, aveludada.
O jeito do ombro, a saia apertada.
O balançar dos quadris, e a perna cruzada…

O lábio mordido, o cabelo na face… corada.
A palavra meio dita, meio sussurrada.
E a sombra no olhar, mais iluminada.

O toque de veludo, tímido, contido.
O silêncio cortado.
A medo, descuidado.
E a nascer no peito o desconhecido.

E acende-se a chama
E bailam os sentidos.
E cai a lágrima que é partilhada.
E desejada…

Fecham-se os olhos.
Para tocar a vida.
E o corpo insinua a timidez perdida.

Vem o beijo…
Foge a razão.

Alinhavam-se a palavra, o sentimento, o toque.
Sussurra-se ao ouvido um gemido.
E o coração?
O coração, fraco, tão fraco.
Rende-se a esse jogo que se chama, sedução.