Hoje, não moro em mim... Ana Fonseca da Luz
Hoje não moro em mim. Apeteceu-me passear pela vida, percorrer novos caminhos, novas enseadas perfumadas de magnólias e de boas lembranças. Ainda me interroguei se seria pecado sentir-me assim tão imensamente feliz naquele tão suave levitar mas, uma voz distante, disse-me que pecado, era não sermos felizes. Por isso, hoje não moro mais em mim… Não posso dizer que parti para algum lado porque na verdade, a vida é feita de partidas e de chegadas e, o que para uns é uma partida, para outros será apenas mais uma chegada. Por isso não sei se parti, se cheguei. Sei apenas me ausentei de mim para ser eu. De mim, deixei apenas a sombra, para que não dessem pela minha falta, para que ao regressar dessa tão breve e intensa viagem ao passado, não estranhassem o meu sorriso mais iluminado, a falta de firmeza na voz e o desassossego dos meus gestos sempre tão comedidos. Tudo começou como tudo começa sempre, ou seja, com aquela vontade imensa de ser intensamente feliz e se bem que passado é passado e depois de vivido não há como voltar atrás, resta sempre aquela saudade do que foi e do que não foi, mas que deveria ter sido. E depois…depois há palavras que soam melhor do que música e que têm o dom de nos facultarem asas, levando-nos para lugares encantados. Por isso, quando dei por mim, já tinha partido. Ainda tentei arrumar as ideias e voltar para trás, mas as asas subitamente deixaram de me obedecer, as emoções confundiram-se com sentimentos e quanto mais olhava para o lugar vazio que tinha deixado quando parti, mais vontade tinha de não regressar. Doía-me aquela viagem porque me assustava pensar que tinha de fazer o caminho de volta, sozinha. Mas, era uma dor assimétrica, onde tudo parecia demasiado grande e importante apesar da pequenez do instante e da grandiosidade dos sentimentos envolvidos. Libertei-me finalmente de preconceitos e quase, quase me revi na menina que um dia fui e de quem tenho tantas saudades. Sorri, corei, apeteceu-me uma bebida fresca, para aliviar a pressão de tão intensa viagem e olhei para baixo, para o lugar que deixei vazio e que já chamava por mim. Não me apeteceu regressar. Mas a sensatez prevaleceu. Maldita sensatez… Não é fácil morar em mim, por isso, sempre que posso, parto. Ou será que regresso?
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