Sei que me tens procurado, que me chamas incessantemente, que a tua voz já é quase um inaudível murmúrio, sufocado, cansado.
Sei que pensas que te abandono, que te deixo entregue à tua sorte e sei que choras mas também sei que sorris. Basta abrir o caderno e ver as letras náufragas do teu sentir, basta contemplar as páginas e ver os raios de sol que te metamorfoseiam.
Mas sabes, estás tão enganado!
Se me conhecesses verdadeiramente verias que jamais te deixo, que és em mim o cinzel com que esculpo o que vejo, a areia que suavemente lapida o que sinto e que se nem sempre corro para ti é porque simplesmente és intrínseco em mim, por isso te deixo aconchegado no envelope de fadas que para ti teci. Para que nunca te sintas só, para que bebas do pó estelar que me compõe os gestos, para que inspires dos jardins do além a seiva que me corre nas veias, para que sintas o unguento com que te purifico os sentidos ávidos de ser, ávidos de Luz, ávidos de querer, para que sossegues e para que ao meu regresso sejas os braços abertos do meu pestanejar, sejas as pálpebras onde repouso a alma do olhar, sejas o corpo em que me lanço qual semente que floresce ao luar, sejas o sol que me retempera e me comanda o respirar.
Deixa-me correr mundo, deixa-me ser a mão que te segura quando me urges na inspiração, deixa-me deixar-te para te poder provar que és eu. Deixa-me Ser só para que possas povoar todos os sonhos meus.
Tu tens em mim todas as formas. És a criança que contemplo, és a janela que abro quando lanço os meus olhos ao vento, és a letra que desenho no leito do meu peito, és o pincel a quem dou vida quando mergulho em qualquer tela, és alento, és palavra, és abandono e consentimento, és-me, somente.
Eu e tu somos o verbo, a palavra, a sílaba, o acento, o traço, a pintura, a tela, a nota musical em que nos erigimos e nos perdemos, o vôo que voamos só por não termos medo de nos sermos com pleno sentimento.
Eu e tu somos unos e bebemos a vida do mesmo cálice… Eu e tu somos… Amor!
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