TEQUILLA SUNSET... Ana Fonseca da Luz










Não fosse a anestesia a que recorro frequentemente, quando algo me apaixona realmente, morreria neste mesmo momento e sou invadida por uma paz que raramente me caracteriza. Posso quase dizer que me encontro em estado de graça, tal é a alegria que sinto, sem saber bem porquê…
E depois, sou assaltada por ondas de nostalgias, que o vento e os últimos raios do dia me trazem carregadinhos de perfumes inspiradores.
Não há nada mais bonito nesta vida. E já nem me refiro à paisagem, mas ao meu estado de alma, esta doce calma…
Estou feliz!
É isso. Realmente não me enganei, disse baixinho, “estou feliz”!
Sou novamente assaltada por palavras que me enchem de alegria, por sorrisos e gargalhadas, por orvalhos e sobressaltos de alma.
Leio ao longe, numa nuvem passageira, uma mensagem que me quebra o andar e me estraçalha o coração, que me enaltece e me assombra, que me mata e me ressuscita.
Leio…
Como se alguém conseguisse ler alguma coisas nas nuvens…
Deve ser este maravilhoso pôr-do-sol e esta tequilla cortada com sumo de laranja que me fazem ver coisas que mais ninguém vê.
Entro, de mansinho, nesta casa a que chamo coração e onde só se entra se se bater devagarinho.
Passeio-me por lá, alguns instantes e recarrego as minhas energias e as minhas mais profundas afeições.
A bebida começa a surtir algum efeito, porque me sinto despreocupada e com vontade de dizer coisas que não devem ser ditas. Coisas que só devemos guardar para nós.
- Mas afinal, ris de quê?
- Olha, agora rio-me de mim. Sempre ouvi dizer a esses sábios que andam por aí, que devemos saber rir de nós. É isso que faço, rio-me de mim. Incomoda-te?
- Nada, acho até que te devias rir mais vezes. O sorriso fica-te bem…
Baixo os olhos como se me incomodasse o facto de me sentir tão feliz.
Estás habituado a ver-me infeliz ou, se não infeliz, pelo menos ausente. Mas ontem, tudo mudou. E depois, esta tequilha tem realmente um poder milagroso. Aligeira-me o sorriso, na mesma proporção em que me solta a língua e me tolhe o andar. Felizmente estou sentada…
- Então, conta-me… conta-me tudo e não me escondas nada.
Estendo os olhos pelo mar de um azul profundo, que se apresenta diante de mim. A praia está praticamente deserta. É assim que gosto, como se este mar todo e a lua que já espreita, fossem só meus e estivessem ali para me servirem de testemunhas de tudo o que te quero dizer.
Estranho como estou tão calma. Estranho como estou certa de tudo o que não quero. Quanto ao que quero, depois, logo se vê…
Não sei por onde começar, porque a última coisa que quero é magoar-te. Ao fim e ao cabo, foram muitos dias, muitas noites, muitos dissabores e muitas alegrias.
Mas decidi. Ontem decidi. Não quero mais tomar conta de ti!
Não quero mais tomar conta de ninguém! A partir de hoje, quero que alguém tome conta de mim. Mas como vou eu dizer-te uma coisa destas, sem te magoar?
Não sei. Não me interessa. Sei apenas que tem de ser dito.
Estou tão feliz. Esta sensação de uma decisão tomada na hora certa, uma decisão que não podia ser adiada, enche-me de esperança!
Peço outra tequilla, para ver se, com isso, as minhas palavras ficam mais amolecidas, talvez até mais doces. Quem sabe não encontro as palavras certas para te dizer o que é preciso ser dito, sem te magoar?
Estranhas o facto de eu pedir outra bebida, porque sabes que raramente bebo. No entanto, nem te atreves a dizer nada.
Começas a adivinhar o que te quero dizer. Começas a ficar inquieto e a olhar-me inquisidor, quase pronto a torturares-me.
Só que, desta vez, meu querido, não te vou dar essa hipótese. Jogaste todas as tuas cartas mas, infelizmente, jogaste-as mal.
Nenhuma mulher suporta um amor sufocante e asfixiante. Isso, meu caro, não é amor! É doença!
E, meu Deus, esta tequilla e o pôr-do-sol, cada vez me carregam mais as baterias.
Passeio mais uma vez o meu olhar pelo teu, uma última vez e digo-te de uma assentada só, sem dó nem piedade.
- Não te amo mais.
Olhas-me com espanto, mudo…
Enfrento-te com o meu olhar, pela primeira vez, e repito:
- Não te amo mais.
Levantas-te, de rompante e derrubas-me, propositadamente, a bebida no colo.
Vais-te embora, sem dizeres uma palavra, sem olhares para trás.
O empregado corre em meu auxílio. A minha bebida espalha-se preguiçosamente sobre a mesa.
Limpa-me mesa e pergunta-me educadamente, porque assistiu a tudo pelo canto do olho:
- A senhora precisa de mais alguma coisa?
Respondo-lhe sorridente e aliviada.
- Tenho tudo o que preciso. Falta-me apenas outra tequilla.
Cai a noite sobre o mar, tão devagarinho, como tem sido a minha vida até aqui.
Não fosse a anestesia a que recorro, quando algo realmente me apaixona, era capaz de morrer agora… de felicidade…

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