Incógnita - em jeito de confissão... Francisco Valverde Arsénio


A atracção por outra pessoa surge por vezes de uma forma directa, reactiva e associada a um desejo imediato. Outras vezes, desperta e revela-se sem que nada se tenha feito para que tal aconteça.
Ontem, após um almoço de confraternização, começou a chover copiosamente. Os meus companheiros de mesa – éramos dez – levantaram-se e foram até ao bar para beber o café e um digestivo. Fiquei eu e um amigo dos tempos da escola, um amigo de toda a vida. Como apenas nos encontramos de tempos a tempos, e sabendo como são os homens, há sempre histórias que gostamos de contar, umas mais interessantes que outras, é um facto, mas mesmo assim estes momentos funcionam como uma espécie de escape. Parece que há em nós uma necessidade quase incontrolável de nos fazermos notar.
Este meu amigo tocou-me no braço e disse-me para irmos até ao alpendre, precisava de fumar um cigarro e contar-me algo que lhe tinha acontecido com uma colega de trabalho. Confesso que não sei o que vêem em mim, se calhar tenho ar de padre, é que isto não me acontece uma ou duas vezes, ou com uma ou outra pessoa, não, acontece com alguma frequência confidenciarem-me casos íntimos. Sentámo-nos debaixo do alpendre enquanto a chuva caía de maneira assustadora. Ficámos junto dum grande vaso e mal acendeu o cigarro, o meu amigo começou a arrancar pedacinhos de folhas da planta. Notei que estava nervoso e ansioso, talvez um pouco renitente, mas via nos seus olhos que precisava falar e saber a minha opinião.
Tem uma colega no trabalho com quem, além de partilhar a parte laboral, bebe café e almoça muitas vezes. Conhecem-se há perto de seis anos e as conversas que mantêm geralmente giram à volta da profissão e dos afazeres. Ambos são casados e ele nunca a viu com outros olhos que não fossem só e apenas de colega. Nos primeiros dias – confessou-me – achou-a interessante, bonita, e imaginou muitas vezes como seria fora daquelas paredes e dentro de outras. Tornaram-se de imediato amigos mas nunca falavam das suas vidas íntimas. O tempo passava e ambos desejavam que chegasse a hora do café ou do almoço para estarem juntos. Ela era de porte elegante e senhora de uns olhos verdes que ofuscavam os dele. O marido era da Marinha Mercante e passava algum tempo fora de casa, mas isso nunca fora condição para que se interessasse por uma relação extraconjugal. De educação conservadora, o casamento era algo para a vida, ainda que tivesse acontecido mais por imposição familiar do que por amor.
Um dia, após terem almoçado e regressado ao edifício da empresa, ele necessitou de ir à sala do arquivo e nem reparou que ela o seguia. Mal abriu a porta e entrou, sentiu no ar um cheiro que lhe era familiar, virou-se e viu-a com um sorriso rasgado nos lábios. Ela deu-lhe um beijo em cada face e com uma das mãos afagou-lhe o peito por entre os botões da camisa. Depois beijou-o nos lábios e incitou-o a retribuir, a que a tocasse e a fizesse sentir o que há muito não vivia. O desejo falou mais alto e apoderou-se dos dois muito rapidamente, ele pegou-lhe no rosto e beijou-a, sôfrego, enquanto com gestos atrapalhados tentavam tirar a roupa o mais depressa possível. Uma secretária ficou literalmente limpa após ele a ter inclinado e tudo cair no chão, apertou-lhe os seios quase animalescamente enquanto se ajeitavam em cima do tampo de madeira e ela lhe pedia incessantemente que a fizesse sentir novamente mulher…
Levantei-me e empurrei com o pé o monte de folhas da planta que o meu amigo havia arrancado enquanto me fazia entrar naquele jogo amoroso. Fumava cigarros atrás de cigarros e estava sempre a bater com o pé no chão, como se acompanhasse o som da música que vinha de dentro do restaurante. Quebrei um pouco o silêncio que se instalou entre nós e perguntei-lhe como estavam as coisas agora, e ele respondeu que, desde esse episódio, ela nunca mais o olhou nos olhos e que o seu relacionamento era bastante formal, bebiam café e almoçavam uma ou outra vez mas nunca falaram sobre o acontecido… «É estranho, não é, pá?», «É!» disse-lhe eu.
A chuva continuava a cair e nós fomos para dentro do restaurante beber um café e um digestivo.

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