A MENSAGEM... Ana Fonseca da Luz


Levantei-me cedo, como sempre. Tomei um banho bem quente, ao som de Rui Veloso, que cantava “Quero o meu primeiro beijo”. Bebi um copo de leite com chocolate e comi uma fatia de pão com manteiga. Pus a loiça na máquina e deitei-me no sofá da sala. Pensei continuar o livro que andava a ler. Não me apetecia. Pensei em ir dar uma volta de carro, com o som no máximo. Não me apetecia. Mas, por que raio eu me tinha levantado tão cedo, se não me apetecia fazer nada?! Porque, pior que estar acordada sem fazer nada, era estar a dormir e as coisas da vida a passarem ao lado.
Enquanto pensava para passar o tempo, ouvi tocar a sineta do portão. Abri a porta de sacada e espreitei, para ver quem era. Nem acreditei. Era a Helena. Cabelo em desalinho, roupa demasiado “blasé” para o normal. Fumava um cigarro quase no filtro. Carreguei no botão do portão eléctrico e abri de imediato a porta grande.
Helena entrou, beijando-me na cara e dando uma passa, agora sim, já no filtro.
- Tens de me ajudar, Margarida. Tens de ir comigo à bruxa. Há dias que não durmo nem como. Estou a dar em maluca!…
A Helena não estava mesmo nada bem. Uma mulher como ela, que não acreditava em nada que não estivesse comprovado cientificamente, uma mulher que só acreditava em Deus, apesar de nunca o ter visto, por ter tido uma educação toda virada para a Igreja Católica, a dizer que queria ir à bruxa?! Impossível!
- Calma, Helena. Não estou a perceber nada. Conta com calma. O que é que se passou, afinal?
- Nem vais acreditar! Há mais de uma semana que tenho o mesmo sonho. Todos os dias, antes de o despertador tocar, de manhã, estou a sonhar com o meu pai. Todos os dias ele me diz as mesmas coisas. Já sei de cor!
Uma ruga, em que eu nunca tinha reparado, aparecia agora a cortar-lhe a testa ao meio.
- Todos os dias ele me diz “Tenho saudades tuas, Helena. Vem visitar-me. A minha casa está um caos. Fico à espera.”
Agora chorava e acendia um novo cigarro. Compreendi então o desalinho no cabelo e no vestir.
- Já falaste com a tua mãe, com o teu marido?
- Não. A minha mãe está como sabes. O meu marido ia provavelmente internar-me. Só tu me podes ajudar.
- Se aceitas uma sugestão minha, acho que deves ir ao cemitério, rezar ao teu pai.
- Sabes perfeitamente que eu não consigo entrar num cemitério.
No cemitério, começava a suar, o coração a bater fora de ritmo e o estômago subia-lhe até à boca. Quando foi o enterro do pai, tivemos de a encharcar com Xanax, para que conseguisse lá entrar. Por que não fazer o mesmo? Da minha carteira tirei a bolsa de maquilhagem e, entre rímel, bâton, amostras de perfume, Pepsamar e Aspirina, descobri o meu amigo para as horas mais difíceis, Xanax.
A Helena tomou dois e fomos no meu carro. O cemitério era a 50 Kms. Como íamos devagar, dava bem tempo de os comprimidos fazerem efeito.
E fizeram. A Helena era a calma em figura de gente. Apagou o cigarro e sorriu. Percorremos o corredor central do cemitério em silêncio. Como é que é possível alguém sentir-se mal ali num sítio em que se respira tranquilidade e sossego?! Não posso contar a toda a gente, mas a verdade é que, muitas vezes em que me sinto muito, muito angustiada, vou ao cemitério, para chorar um pouco, porque aí ninguém vai achar estranho ver-me a chorar. E quando saio de lá, venho de alma lavada.
Quando chegámos à campa do senhor Fernandes, um arrepio percorreu os nossos corpos, em simultâneo. Uma árvore tinha caído sobre a campa. O Anjo imponente de pedra preta estava tombado, a jarra de flores estava no chão e toda a campa estava coberta de ramos e folhas.
Nesse momento, a minha querida amiga ganhou uma força sobre-humana e, ajudada por mim, deixou tudo como devia estar, antes daquela queda de árvore.
Quando cheguei a casa, o meu marido ainda não estava e, quando chegou, optei por não lhe contar nada, porque há coisas que realmente só dizem respeito a quem passa por elas.
No domingo de manhã, acordei com o som de mensagem do telemóvel. Abri a caixa de mensagens. Não sabia de quem era, pois era mensagem anónima. Carreguei no “enter”. A mensagem dizia apenas: “- Bem-haja por ter ajudado a minha filha a acabar com o caos em que estava a minha casa.”

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