Tratado sobre um poema... Majela Colares

Q












Quis um poema sem razão nem fim
um canto surdo de areia e noites
bem mais veloz que ilusão do tempo
que fosse a vida muito além da morte

quis um poema que tivesse o fim
de ser apenas um rascunho torto
entre as lembranças de qualquer rascunho
entre os rascunhos de alguém já morto

quis um poema de tempo e de tempos
regado a vinho – se possível tinto –
do instante imune, que não foi instante
do tempo impuro, do mais puro cisco

quis um poema que fosse um poema
de pele clara, de cabelo ruivo
que fosse a pedra fecundando o húmus
e a luz gestante fecundando a luz

quis um poema... se quis um poema
foi assim quase... meio, fim e meio
sangrei a noite, mas fisguei o verbo
quis um poema lacerado ao meio

In “AS CORES DO TEMPO”, 2009, Calibán, Rio

Nenhum comentário:

Postar um comentário