Um dia de domingo... Ana Fonseca da Luz


O domingo é um bom dia! É, é um bom dia para ficar em casa e fazer arrumações. Além disso, está um daqueles dias de Primavera, que de Primavera só tem mesmo o nome. Faz frio e chove! Está o que eu costumo chamar um dia de pijama.
Há lá coisa melhor do que passar um dia, sozinha, em silêncio, a vadiar pela nossa própria casa, saltitando de sofá em sofá, abrindo de hora a hora o frigorífico, na vã esperança de que, a qualquer momento, apareça lá dentro o que nos apetece mesmo comer e que, realmente, nem se sabe o que é?!
Além disso, hoje, nem visitas me apetece ter. Por isso, sempre que me parece ouvir um carro parar à porta, peço a Deus que não seja alguém que me venha tirar deste delicioso marasmo em que me encontro e que, provavelmente, é até contagioso. Além disso, resolvi fazer arrumações…
Depois da minha caminhada matinal, a que eu chamo o acordar dos meus cinco sentidos, e de um banho quente, demorado e perfumado, eis-me pronta para desfrutar da minha casa e das tão necessárias arrumações. Vejamos! Se eu fosse uma mulher comum, o que é que eu vestiria para fazer arrumações? Pois, mas não sou uma mulher comum! E depois, as arrumações que preciso de fazer são invisíveis e, no entanto, tão necessárias!… Opto por umas calças cómodas, uma camisola quente e uns sapatinhos rasos. Não suporto mulheres com fatos de treino e sapatilhas. Sou daquelas que acha que, mesmo em casa, uma mulher deve estar sempre arrumada e perfumada. Chamem-me snob!…
Bebo o meu leite com chocolate e aí vou eu direitinha à minha sala, a minha divisão preferida. A minha sala é a alma da minha casa. É o centro de tudo. É lá que tudo acontece. É lá que rio, é lá que choro (raramente) e é lá que tenho de me sentar e arrumar o que precisa de arrumação. A minha cabeça, as minhas ideias, a minha vida…
Como se fosse possível arrumar o caos em que está toda a minha vida. Como é que se arrumam os sentimentos, como é que se arruma aquilo que sempre considerámos arrumado, como é que, de um momento para o outro, tudo o que nos pareceu impossível nos atropela, nos machuca e nos mostra que nunca estamos acabados, que nunca estamos saciados?
Falta-me qualquer coisa!… É a música. Pode ser que me ajude!… Chico Buarque, “A Construção“… “Amou daquela vez como se fosse a última…”
Volto a sentar-me e a começar tudo novamente. O sofá convidativo chama por mim. Mas, antes, corro as cortinas, com medo que o barulho da chuva me atrapalhe, não vá o vento que oiço lá fora levar para longe toda a minha vontade, toda esta minha necessidade de impor a paz, onde reina a confusão.
Tudo me serve de distracção… Esta música não é a minha. Percorro mentalmente todas as músicas que guardo no computador, em busca da música perfeita, da música que considero capaz de me ajudar nesta viagem tão necessária. Mas afinal, como é que eu me sinto? “…Like a candle in the wind…” E o Elton ganha vida e faz-me companhia e preenche a minha sala e a minha solidão tão querida.
Não consigo aquietar o meu coração. Parece um passarinho preso numa gaiola, olhando o céu, que lhe parece impossível de alcançar. Parece que uma mão invisível desarruma o que eu insisto em arrumar.
O Elton desistiu, calou-se e eu olho o tecto da minha sala como se, a qualquer momento, pudesse surgir uma seta a apontar-me o caminho.
E assim passo o dia, num querer sem querer, num chove não molha que me maltrata e me alegra ao mesmo tempo.
Como posso eu arrumar o que não tem arrumação possível?
Quem sou eu, para querer o que não posso querer?
As horas vão passando. Daqui a bocado, a minha tão querida e desejada solidão vai estar preenchida de palavras que eu mal vou escutar, de sorrisos repetidos e de gestos que tão bem conheço e que fazem parte deste meu quotidiano, desta minha vida que vai continuar perfeitamente arrumada, como mandam todas as convenções, apesar de tudo e de todos os porquês… tantos porquês!
Numa derradeira tentativa, e antes que a casa se povoe, oiço uma última música. Quem sabe?! “Laços”… “… Andamos em voltas rectas na mesma esfera, onde ao menos nos vemos, porque o fumo passou… Devolve-me os laços…”
A noite faz-se já anunciar, majestosa, como eu gosto! Em mim, tudo continua desarrumado. Reconforta-me o facto de saber que não estou sozinha!

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