Dia 350... Joaquim Pessoa













Ainda nós. Os que não têm nome, mas
que por momentos dão o nome à paixão, oferecem
o nome à terra, dividem-no com a chuva. E se alimentam
de luz como se ela fosse um fruto. Os que interrogam
a biografia da árvore, a bibliografia das folhas, a
última edição dos pássaros. E os títulos sonolentos do azul.
Ainda nós, os pobres. Os que coram diante de um pão
e sobre ele escrevem os versos da oração do trigo. Simples,
como o primeiro livro que o mar escreveu. Nós, os que
ainda atravessamos carregados de sede o deserto da página
em busca de água para os versos e de pólen para as sílabas,
essas minúsculas abelhas de som que ajudam a florir
as trepadeiras do dia. Ninguém como nós devora
as injustiças. Ainda. E agora.
E ainda agora, ninguém como nós canta o amor.
Ninguém persistirá assim a cantar o futuro.
Iluminando a dor, imaginando o que é mais simples, lendo
de outra maneira a provocação das horas, da liberdade
e do vocábulo desejo. Certos do amor. Certos da morte.
Talvez amanhã não seja amanhã apenas. Quem sabe?,
uma ilha para onde possamos carregar os nossos bens,
um território misterioso, e no entanto afável, e no entanto belo.
Que se situa para lá do imaginário. Longe de
todos os beijos, de todas as promessas. E cheio
de uma natureza perturbante. Com palavras
que são dúvidas, paradoxos, absurdos, mas sempre,
sempre, as mais fundas convicções. Nós, os que
de nós esperamos mais. E o que resta: tudo
o que jamais alguém ousou ousar
da voz que canta em cada um
de nós. Ainda.

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