A Pedra... José Cardoso Filho


Eu gostava de ir para a pedra em frente ao campo de futebol. Gostava de ir sozinho. Sentava, olhava "pra" frente, ajeitava o casaco porque sempre fazia frio, e conseguia ver coisas que não via dos outros lugares do colégio. Não em termos de distancia, pois o que eu olhava estava muito perto de mim, embora não estivesse ali. Daquela pedra eu via minha casa, meu quarto, minha mãe, minha bicicleta abandonada na garagem há mais de cinco anos, e minha cachorrinha que morrera trés anos antes. Eu via coisas e pessoas das quais eu tinha saudades, coisas e pessoas que estavam longe sem sair de dentro de mim. Alguém vai indagar se não eram alucinações. Não, eu nunca usei drogas alucinógenas. Gostava de fumar cigarros Minister. Ainda deve ter restos de Minister no local se é que a chuvas não levaram. Minhas guimbas. É que aquela pedra era um lugar encantado, mágico, estranho, cheio de diferenças. Ali eu via o Mundo e o Mundo não me via. Podia ser eu mesmo, uma pessoa frágil, com medo de ser dominado pelo sistema. Eu e meus medos. Eu e minhas verdades, que só agora eu tenho coragem de contar e de enfrentar. Um dia eu esqueci o casaco dentro da pedra. No outro dia, pela manhã, bem cedo, fui buscá-lo. Estava duro, coberto de gelo fino. Bati, parte derreteu, parte se quebrou como se fosse vidro. No meu último dia no colégio, em 1972, eu esqueci um pedaço de mim na pedra e fui hoje buscar. Quarenta anos depois. Estava triste, encolhido, dentro da pedra, coberto de gelo fino. Me peguei, me balancei, quebrei o gelo como se fosse vidro. E percebi que estava vivo. Meu pedaço estava vivo, sobrevivera na pedra, fazendo dela morada por todo esse tempo passado. Aqueci meu pedaço, lhe falei palavras de carinho no ouvido e pedi que voltasse a viver em mim. E ele veio. E disse que nesses anos ali passados, de lá da pedra, viu centenas de outros pedaços de pessoas vagando tristes e esquecidas, como zumbis, como almas penadas, pelas estradas e jardins, pelo campo de futebol, abandonadas pelos seus donos. Quem sabe, lendo esse texto de alguém que se resgatou, as pessoas que se deixaram no colégio voltem para apanhar seus pedaços, se encontrarem e serem, finalmente, felizes e completos. A pedra...

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