Amor e Perdão... Ana Fonseca


“Habitas-me mesmo que fiques no silêncio da semi-claridade que me habita o escuro dos olhos.”

Deparei-me com esta frase que a minha caneta escreveu quando me preparava para me entregar aos braços de Morfeu e parei.

Como uma simples frase pode evocar em nós tantos sentidos, tantos alertas, tantos raciocínios numa mente desperta.

Se um Ser quiser verdadeiramente viajar ao interior de si vai encontrar escuro, vai sentir um arrepio gélido a percorrer-lhe o corpo, a alojar-se nos instintos e a afastá-lo de si.

O medo é o nosso maior inimigo e um poderoso aliado. Tal como o ego é o nosso equilíbrio, o nosso protector quando percebido, interiorizado, iluminado.

É segurança, é travão e se nos pode afastar do caminho por nós traçado também pode ser a mão estendida que nos segura quando enfrentamos um mar de sargaços.

Decifrar a linha ténue entre um pólo e outro é uma aventura a que nos consentimos quando decidimos ser humanos, quando antes de virmos nos escolhemos, nos escrevemos no Livro da Vida.

Dentro de nós pode haver escuro, pode haver frio e uma casa desabitada, desarrumada mas se a aceitarmos, se a visitarmos e arejarmos ela transmuta-se num Lar de Amor e Luz, de divindade pura e abnegada.

Poderia estar a falar de Amor e estou a falar do Eu. Não será essa a maior forma de Amor?

Eu bem sei o quão difícil é amarmo-nos, aceitarmo-nos totalmente e perdoarmo-nos.

Como é que uma criança pode compreender a falta de amor dos pais? Como é que pode aceitar os maus tratos sem se alterar? Como é que pode ouvir os gritos das violações sem se revoltar? Como é que pode assistir à decadência familiar sem se culpabilizar? Como é que pode sorrir, ser criança se lhe pedem que cresça, que seja adulta, se lhe aviltam a Esperança?

Todos temos traumas, dores incomensuráveis que nos abrasam por dentro e que a custo tentamos camuflar num sorriso, num gesto de carinho.

Quanto engano!

Há sempre uma altura em que irrompe em nós a amargura que calámos cá dentro, em que gritamos a raiva que criticámos nos outros, em que agimos impulsionados por uma força que mantivemos oculta e que nos dilacerou por dentro, em que somos o que julgámos.

Quantas vezes dou por mim a serenar-me, a aquietar impulsos que a custo tentei manter ocultos de mim.

Não é esse o caminho.

Só poderei serenar a minha sombra se a aceitar por inteiro, se a amar incondicionalmente, se andar com ela à luz de braço dado.

Faço por me observar e não julgar. Sei perfeitamente que quando apontamos o dedo a alguém, três dedos ficam virados para nós, que somos o espelho uns dos outros, que só atraímos o que emanamos e ainda assim, tropeço e caio mas sempre me levanto.

Actualmente, tento ser como a água e fluir livre sem enganos. Se aparece um obstáculo, fluo e poupo-me ao desgaste de lutar contra. Mergulho em mim e vou à procura do que o originou, vou reconhecer o medo, a culpa ou o desamor e vou sorrir, aceitar e perdoar.

O perdão, palavra tão simples que encerra em si o verdadeiro significado do verbo amar.

Só poderemos verdadeiramente exercer o mais nobre dos sentimentos quando tivermos sido capazes de nos perdoar por inteiro para depois podermos perdoar os outros pelas ofensas que julgámos que nos cometeram, quando afinal tudo estava em nós, simplesmente.

Acolho a minha sombra com um sorriso de compaixão e amor. Acolho-a pois é ela que me auxilia a ser quem sou e hoje, mais do que ontem e espero que menos do que amanhã, aceito-me incondicionalmente imperfeita e única em mim. Sou simplesmente Eu e sou feliz assim! Agora, peço-te, abraça também a tua, dá-me a mão e juntos seremos perfeitos na imperfeição!

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