Desarrumar o tempo... Francisco Valverde Arsénio



Pousou o livro em cima da mesa, cruzou as pernas e bebeu um pequeno gole de água. Passou levemente os lábios pelo rebordo do copo, virou-se um pouco e olhou-o provocante. Desviou depois o olhar e abriu o livro numa página qualquer. Ele ficou impávido no lugar mas deixou o olhar pregar-se naquele corpo. Ela segurou novamente no copo e deixou cair uma gota de água em cima da mesa, com o indicador repartiu-a em outras mil, fechou o livro…

Deixou-se cair no peito dele, suados, corpos nus de encontro ao branco imaculado dos lençóis. O ar saído do aparelho colocado na parede oposta à cabeceira da cama envolve o quarto com uma brisa fresca que se espalha pela pele. Mãos, pernas e lábios sedentos, bebem toda a paixão que impregna o ar, ela sente os dedos nas costas, nas nádegas, nas coxas, a carne vai-se rendendo ao desejo e saem suspiros dos seus lábios. Depois… depois é a grande viagem em que todos os caminhos se entrecruzam.

É manhã e os finos raios de sol encontram-nos ainda abraçados, cada foco de luz que entra pela persiana é um beijo deixado nos seus rostos. De olhos fechados os corpos quase adormecem de novo mas a alma desagrega-se e paira acima daqueles corpos ainda não rendidos. Nas paredes, há contornos de imagens difusas.

Um toque leve na pele ansiosa queima-a por dentro e o seu corpo nu veste-se de dedos, braços e abraços. Sente-o em cada poro, em cada milímetro de si. A alma fixa-se no tecto e observa-os como se quisesse guardar aqueles momentos de volúpia embalados por ondas de prazer. Ondas que vão chegando suavemente e se espraiam dos pés às coxas, que insistem na exploração do seu corpo fazendo com que respire descompassadamente e ofegante, que lhe temperam a carne quente com gotas de suor. Mãos, coxas e seios… entrega-se com o sangue acelerado, entreabre a boca para que um gemido se liberte dos lábios, outra sequência de ondas percorrem-na e ordenou ao tempo que deixasse de existir para que o seu corpo acompanhasse as gotas de suor. Uma torrente de amor percorreu-lhe o peito sem deixar espaço a qualquer outro elemento, há cor, luz e um sonho que a abraça por dentro, as gotas de suor cristalizam-se espalhando fogo por entre as veias e penetrando todo o seu ser. No quarto, a melodia que se ouve é o silêncio recortado apenas pelas batidas sentidas no peito. Morre de ansiedade e questiona-se se é paixão o que sente, se é emoção ou apenas o abraço de dois amantes. Paixão, amor? Porque não apenas desejo? Possuir é ser livre, é saber lidar com os sentimentos. Quem sabe o que é o amor? E outra onda invade-os, gasta-se assim a distância dos espaços do tempo, dos encontros em que o mundo se esquece deles. Para que quer o mundo saber daquilo que é tão deles? Do seu segredo? Aninham-se um pouco mais, não se querem possuir por inteiro, querem ter-se hoje, amanhã, sempre. Sempre que a pele chame pela pele.

Um transeunte passa e deixa ficar os olhos nos olhos dela. No outro lado o lugar está vazio, na mesa o livro está fechado e o copo vazio. Levanta-se, arruma a cadeira e perde-se na multidão incógnita que desce a calçada.


Nenhum comentário:

Postar um comentário