Debruçado...simplesmente! Francisco Valverde Arsénio



Ontem à noite reparei que a lua esteve ausente e levou com ela a parte oca das palavras. No escuro, deixou que as estrelas tomassem conta de alguns momentos e do sossego das horas. Levou a parte oca das palavras mas deixou o rasto de outras que suplantou em brilho qualquer constelação.

Neste momento o que mais queria era que os meus dedos segurassem apenas a caneta e não desnudassem o meu pensamento, queria que os mesmos ficassem aqui comigo, dentro de mim e não na ponta do aparo duma qualquer caneta. Tenho reparado que ando em conflito com o que escrevo, algumas vezes julgo até que alguém escreve por mim, é como se me visse ao espelho e não reconhecesse o meu rosto, como se me segredassem ao ouvido histórias que já li em tempos e fora de tempo. Ontem à noite contemplei pensativo a luz intermitente dum avião que se deslocava de este para oeste. Por breves momentos fechei os olhos e entrei num sono suave com o teu nome a percorrer-me os lábios, e ele passou leve, muito leve, mal deixando que o soletrasse. Fiquei de olhos fechados como se tivesse adormecido. A falta da luz da lua fez com que eu ficasse naquele limbo onde o teu cheiro era apenas uma linha da minha imaginação, fiquei assim por momentos e receei que sem querer denunciasse o teu nome. Uma ligeira brisa retirou-me da letargia em que me encontrava quando me beijou o rosto e o cabelo e despertei do sono que nunca chegou a ser sono. Fiquei a olhar para o céu e para a luz intermitente do avião, o sangue foi arrefecendo aos poucos e estiquei as pernas e os braços. Não consigo sonhar de olhos abertos e tu aproveitaste o momento para sair dos meus lábios, viraste as costas e seguiste sem destino perdendo-te na negritude da noite.

Não sei como escrever quando as palavras faltam nas linhas do caderno, todavia, sei que elas estão escondidas nos nós dos meus dedos e na palma da mão que segura a caneta. Umas palavras ficam agarradas aos lábios e outras deixo-as simplesmente partir em busca de novas aventuras. Em momentos como este, fecho os olhos e os lábios, prendo as lágrimas, o sorriso e tranco-me por dentro para que a alma não me abandone.

Hoje, como tantas vezes faço, sentei-me aqui e pensei-te, trouxe-te da noite de ontem em que a lua esteve ausente. Pensei na tua voz, no teu corpo, nos teus olhos, na tua boca que me oferece melodias, convites e desejos.

Eu gosto de coisas simples, coisas que impressionam apenas por existirem, não sou apreciador de grandes enredos, daqueles que enchem linhas e mais linhas, que enchem todas as folhas dum caderno. Gosto de um beijo no rosto, dum sorriso, dum gesto. Gosto duma mão apertada noutra mão mesmo quando se fala do tempo, gosto das palavras soletradas com um brilho nos olhos e das caladas quando a tua cabeça descansa no meu ombro. Gosto do mar e do vento, das marés e da areia, gosto dos teus lábios com ou sem beijos… gosto de ti.

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