Amanhã...apenas mais um dia! Francisco Valverde Arsénio


Não tinha a certeza mas não andaria muito longe da verdade se dissesse que o fim ficou visível no momento em que disseram que seriam um do outro para sempre. Da eternidade do juramento ao fim, não foi mais que um piscar de olhos. O tempo parou e tudo ficou na mesma, sem espaços para lógicas sentimentais.

Parou o carro, ela entrou com um largo sorriso no rosto e apagaram o tempo. O vazio que dentro dele parecia esquecido preencheu-se com os seus olhos, como se aquele lugar tivesse sido sempre dela. Ela era enorme dentro dele, ocupava demasiado espaço e ele queria-a por inteiro. Deram as mãos e ficaram calados uns minutos, depois trocaram beijos não contabilizados para não parecerem poucos, ela passou-lhe a mão pelo rosto e ele levantou-lhe o queixo para poder absorver toda a sua imagem, a sua imponência, toda a magia que irradiava dela. Ficaram assim e abriram os vidros para que o ar circulasse livremente. Há coisas que não têm explicação, como não tem explicação a amálgama de sentimentos que o aflorava. Os sentimentos doem e não se pode rasgar o peito para que a dor passe, a dor é como os dias, uns parecem longos outros demasiado curtos, uns em que nada se passa no intervalo do ter e não ter, do grande e do pequeno, do sono e do sonho. A paixão ou algo derivado do mesmo sentimento dói, e a dor é sentida em todo o corpo, não se consegue distinguir o ponto onde é mais profunda, tem a mesma intensidade da melancolia e da ansiedade.

Agora estão ali sentados no banco do carro por causa duma saudade permanente que arrasta todas as horas. Por momentos estão ali numa conjugação de olhares mas depois ela partirá e levará consigo o presente e o passado, um passado sem planos de futuro em que a partida pode significar o adeus.

Ela nunca irá entender as lágrimas que lhe caem pelo rosto, nem ele próprio saberia explicar, como explicar que chorava por o sonho ser mais uma vez adiado? Há palavras estranhas e que podem ter efeitos estranhos. Por exemplo: sempre e nunca. Ele poderia dizer-lhe que nunca poderia ficar com ela para sempre, mas ela sabia todas as suas palavras, tinha até a magia de lhe roubar algumas como se fosse possível a alguém roubar palavras. Mas ela era capaz disso e fazia-o de tal maneira com o seu olhar doce que ninguém acreditava que o fizesse. Ele ficava a olhá-la como agora, sentados no banco do carro e beijava-a como quem quer saber onde ela as guardava. Ela nunca iria entender aquelas lágrimas porque nem tudo tem explicação e aquelas eram o resultado duma complexa mistura de sentimentos.

Um dia ele quase a perdeu e, sem saber bem como, vive ainda com receio que de novo volte a acontecer. Da outra vez tentou apagar todos os vestígios, mas desta nada sobrará. A vida ensina-nos, molda-nos e mostra-nos que o amanhã é só e apenas mais um dia.

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