O Baile... Ana Fonseca da Luz



Nunca se tinham visto, nunca se tinham cruzado e, no entanto, quando os olhos dos dois se tocaram, houve qualquer coisa que os fez estremecer. Ela baixou o olhar, mas sentiu que ele a olhava. Ele consertou o cabelo num gesto maquinal, parou e disse para si mesmo que a conhecia, só não sabia de onde. Talvez de outra vida… Ela, de olhos no chão, consertou as pregas da saia e teve a mesma sensação. Não sabia de onde, mas tinha a certeza de que já o tinha visto. Ganhou coragem e ergueu o olhar. Ele estava parado, a olhá-la. Os olhos voltaram a encontrar-se e, desta vez, corajosa, ela susteve o olhar no dele. À volta deles, muitos casais dançavam. Só eles estavam parados, olhos nos olhos. A música parou e eles, como que por magia, foram andando um em direcção ao outro. Quando se juntaram, a música voltou a tocar. Não trocaram uma única palavra. Apenas se juntaram e começaram a dançar. Ele cheirava a rosmaninho, ela a alfazema. Dançaram juntos, como se se conhecessem há séculos. O abraço que os uniu foi tão forte, que toda a gente parou para os ver dançar. Ele cheirava a alfazema e ela a rosmaninho. Continuaram em silêncio e, naquele momento, tanta coisa foi dita. Ele passou-lhe a mão pelo cabelo e ela imitou-lhe o gesto. A respiração dos dois confundiu-se e passou a ser só uma. Suave e compassada, a uma só voz… Depois, ela levou-lhe a mão à boca e beijou-a mansamente, demoradamente e aquele segundo durou uma eternidade. Olhos nos olhos… A música continuava suave, morna, agitando um turbilhão de emoções até aqui desconhecidas, sensações nunca desbravadas. Nunca uma palavra foi dita. Só os corpos de ambos falavam, só os corações de ambos trocavam palavras que só eles ouviam. Os gestos eram lânguidos, os olhos fechavam-se para se abrirem só para se verem um ao outro, numa realidade só deles, em que mais ninguém existia. Depois, a música parou. Os corpos tiveram dificuldade em se separar, como se um íman muito forte os puxasse um para o outro. Olhos nos olhos, de mãos dadas, como quem já se conhece há anos, abandonaram a sala. O cheiro de um era o cheiro de outro. Os corações continuaram o seu galope, ao mesmo ritmo, ao mesmo compasso. Já na rua, ele sussurrou-lhe ao ouvido: – Amo-te. Ela respondeu-lhe: – Perdidamente. Tudo estava dito. Tudo estava consumado. De manhã, quando acordaram, olhos nos olhos, ele não sabia o nome dela e ela não sabia o nome dele. Mas ambos sabiam que tinham o mesmo cheiro, que ambos tinham o mesmo coração e que se iriam amar para sempre, perdidamente e que nem a morte os podia separar, porque nem a morte separa o que é eterno. A. Luz

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