Os rios não dormem de noite... Francisco Valverde Arsénio



Indiferente ao compasso da música que me envolve, absorvo o poema cantado pela voz de Chico Buarque de Holanda. O poema fala dum amor eterno que todos sabemos não existir – como dizia o poeta, é eterno enquanto dura. Acreditar em histórias de amor em que este sobrevive aos protagonistas, é como acreditar que Nossa Senhora apareceu em Fátima e falou em português com a irmã Lúcia. O amor não é eterno mas podemos interiorizá-lo como tal, o ser humano precisa de referências e a eternidade – conceito abstracto – ajuda-nos no subconsciente. Que graça teria sabermos o final dum filme quando entramos num cinema? E o resultado final dum jogo de futebol antes de o encontro começar? No amor, além de nunca se saber o final da história, não sabemos sequer se ele existe, falta uma definição concreta para o sentimento que nos assola.

Eu acredito no valor e na beleza das palavras, mas se as repetirmos muitas vezes a propósito e a despropósito, estas perdem o significado, a força e a projecção, passam a ser um conjunto de vogais e consoantes convencionadas. Se repetirmos muitas vezes a mesma palavra, esta deixa de fazer sentido e o próprio som é estranho.

O poema de Neruda a que Chico Buarque de Holanda dá voz fala do amor eterno ao segundo, logo, a eternidade não é algo a alcançar mas a ser vivido em cada instante. Voltemos às palavras: bom seria se vivêssemos num mundo onde se utilizassem menos palavras, num mundo mais silencioso onde imperassem os olhares e os gestos, até porque estes não se gastam e valem por si, não nos fazem sentir vazios de emoções. Acreditar é assumir a ilusão, e esta, inexoravelmente, leva à desilusão independentemente do hiato que separa uma da outra. Não raras vezes damos por nós a passear por ruas e avenidas e entramos em casas, umas pintadas de cor discreta, sóbria e envoltas em silêncio, enquanto noutras as cores são fortes e brilhantes e as paredes estão cheias de sons. As casas são como nós, transmitem sentimentos, dentro delas há palavras. As ruas, as avenidas e as casas podem ser fruto da nossa imaginação, sem existência, mas aí, somos o que quisermos ser mesmo quando levamos nos olhos falsas premissas.

Tenho um jornal diário em cima da mesa e na última página, a meio duma notícia, prendi os olhos numa frase: «… os rios não dormem de noite…». E é verdade, a incerteza do leito, das margens e do caudal levam-no a estar alerta e, enquanto absorve o brilho das estrelas, reflecte a cidade no espelho translúcido da superfície. Quando passa por baixo da ponte, é cúmplice de braços apaixonados que se aprisionam noutros braços. Entre o rio e a ponte existe um amor antigo feito de sussurros, choros e sorrisos, e sempre que se tocam beijam-se em renovados votos de amor eterno que sabem durar apenas o instante da passagem das águas. O amor será sempre eterno desde que haja amor.



Francisco Valverde Arsénio

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