Perigo ao amanhecer...Ana Fonseca da Luz


Dizem as más línguas, claro, que não há nada pior do que uma mulher enraivecida.
É mentira. Duas é ainda pior. Agora, para agravar o cenário, se é que é possível, imagine um desgraçado de um homem, no meio de duas mulheres enraivecidas…
Eu nem devia estar a contar isto, mas, para bem dos espécimes do mesmo sexo que eu, é minha obrigação, diria mesmo é meu dever, narrar como tudo se passou, para alertar os mais incautos para que se acautelem com as mulheres…
Oh, bicho perigoso! Como é ardilosa e convincente a mente de uma mulher, até conseguir aquilo a que se propõe.
Mas deixemo-nos dos entretantos e passemos aos finalmentes.
Nunca fui um homem de grandes aventuras amorosas. Mas posso-me gabar de que sou detentor de algum “sex-appeal”, uma vez que todas as mulheres que realmente me interessaram passaram pela minha cama ou, pelo menos, pelo meu sofá. Todas, até conhecer a Luisinha, que era gémea da Teresinha, facto que eu desconhecia.
A Luisinha era assim um misto de mulher doce e despreocupada e carregadinha de um embriagador ar misterioso que lhe ficava tão bem.
Conheci-a por acaso, num dia qualquer em que ainda tudo me parecia perfeito. Cruzámo-nos no consultório do psicólogo, porque hoje em dia quem não faz análise, para se conhecer melhor, está completamente “demodé”. Apaixonei-me primeiro pelo seu cabelo ruivo, depois pelos olhos amendoados e só depois por ela.
No primeiro dia, não nos falámos. Eu entrei antes dela no consultório e ela, logo após a minha saída.
Fiz mil filmes de amor, durante toda a semana, com aquela sereia misteriosa e esperei ansiosamente pela próxima sessão com o meu psicólogo.
Na semana seguinte, lá estava eu, bem antes da hora, para ver se a via.
E vi!
Cresci dois palmos quando a vi entrar, de cabelo um pouco molhado e em desalinho. Ela disse “boa-tarde” e eu respondi-lhe, ainda antes de ela terminar o seu “boa tarde”, tal era a minha ânsia de lhe falar.
Aproveitei o facto de a ver de cabelo molhado para lhe dizer:
- Não me diga que já está a chover!
- Está, – disse ela num sorriso rasgado, – que chatice, molhei o meu cabelo todo!
- Mas fica-lhe bem, sabe? O pior é se se constipa… – disse-lhe eu, com um sorriso de orelha a orelha.
E assim começou um belo romance, ou por outra, era esta a minha ideia, de que estava a começar uma bela “estória” de amor.
Logo após a consulta, fomos tomar um café e, no dia seguinte, jantámos juntos.
No fim, quando a fui acompanhar até casa, ainda trocámos um beijo escaldante, que me deixou de pernas bambas.
Avisou-me que ia estar fora o resto da semana e que, por isso, só nos encontraríamos na nossa próxima sessão do psicólogo. Durante o resto da semana, o nosso romance ficou só naquela base dos telefonemas amorosos e cheios de saudades. Não sei como sobrevivi aqueles dias todos sem a ver.
Esperei ansioso pelo nosso encontro no consultório. Antes da hora, lá estava eu. Quando a vi entrar, disse de mim para mim: “-Esta é a mulher da minha vida!”
Ela entrou e, num salto, já eu estava a beijá-la na boca, como se toda a minha existência dependesse daquele beijo. No mesmo instante, uma tremenda bofetada tirou-me daquele transe.
“A mulher é doida!”, pensei, enquanto esfregava a cara onde, com certeza, se deviam ver os cinco dedos da sua mão.
- Você é parvo, ou faz-se? Conhece-me de algum lado?
- Luisinha… – ainda balbuciei, mas já ela saía porta fora.
Sentei-me, desamparado. Já tinha percebido a causa das suas consultas. A miúda tinha dupla personalidade. Primeiro, desfaz-se com o meu abraço e depois espanca-me!…
Mas a verdade é que dei por mim a gostar ainda mais dela e com todos os meus sinais vitais muito mais acesos, diria mesmo, em alerta máximo.
Enquanto um milhão de coisas me passavam pela cabeça, ei-la que entra de rompante. Quase tive medo dela. Não sabia se me havia de preparar para receber um beijo devorador ou uma bela bofetada. Mas eu já estava preparado para o que desse e viesse.
Aproximou-se, e caímos num beijo louco, enquanto eu pedia a Deus para que a porta do consultório não se abrisse e chamassem pelo meu nome.
Decidimos faltar à consulta. Era agora ou nunca, enquanto ela mantinha aquela serenidade do dia em que a conheci. Se a outra viesse ao de cima, eu corria o sério risco de ser espancado. Mas aquilo tudo deixava-me de cabeça perdida.
No meu apartamento e enquanto não passávamos aos finalmentes, entre muitos beijos e afagos, reparei que ela tinha um sinal, aliás bastante provocante sobre o lábio.
- Nunca te tinha visto este sinal, Luisinha. É postiço? – perguntei, um pouco a medo, não a querendo ofender. Mas é que as mulheres de hoje em dia, se formos a ver, já têm todas alguma coisa artificial. Tiram do rabo, põem no peito, ou nos lábios e mais um sem fim de coisas que nós homens desconhecemos. Por isso, a pergunta me pareceu inofensiva.
- Mas eu não sou a Luisinha! – disse-me, enquanto me beijava. – Eu sou a Teresinha.
“Ai, valha-me Deus! Chegou a outra!”, pensei.
Contudo, aquilo parecia-me tão irreal como excitante e por isso, deixei-me arrastar por aquela maluca que fazia de mim o maluco mais feliz do mundo.
No meio daquele envolvimento e quando conseguia ficar lúcido, ia dizendo a mim próprio que não senhor, que não precisava de tratamento psicológico, pois ao pé daquela mulher, eu era o mais centrado de todos os homens. As consultas do psicólogo iam acabar, a partir daquele dia.
E assim, durante semanas, eu ia morrendo de amores, ora nos doces braços da Luisinha, ora nas poderosas garras da Teresinha.
Eu já nem precisava de perguntar quem é que me entrava pelo apartamento dentro…
Se me beijava doce, doce, era uma, se me mordia e arranhava era outra e eu era o homem mais feliz ao cimo da terra…
Este romance ia de vento em popa e o dinheiro que poupava nas consultas do psicólogo ia dando para os muitos jantares e dormidas por esse Portugal fora.
Mas, uma manhã, nunca hei-de esquecer aquela maldita manhã, estava eu com a Luisinha na minha cama, ainda a dormir, depois de mais uma gloriosa noite, quando me batem à porta. Levanto-me a custo, encaminho-me para a porta com a campainha a tocar cada vez mais e mais e ia morrendo com o que vi. Literalmente morrendo. Pela minha porta, qual toiro enraivecido, entra-me a cópia da mulher com quem tinha passado a noite e que ainda dormia a sono solto na minha cama.
Perdi a voz, perdi o tino, parece-me que perdi até o andar, porque, enquanto ela se encaminhava para o meu quarto, a praguejar, eu continuava agarrado à maçaneta da porta, sem conseguir pôr um pé à frente do outro.
Depois, foi o apocalipse… As duas, a doce e a selvagem, rebolavam pelo chão, à chapada e aos insultos, enquanto eu, incrédulo, mudo e perplexo, percebia que o meu idílio tinha chegado ao fim.
Nenhum homem no seu perfeito juízo aguenta uma coisa daquelas.
Quando finalmente comecei a ficar lúcido, lá as separei, a muito custo e só aí percebi que a minha namorada não era uma, mas duas. Não sei se me faço entender…
Saíram-me porta fora, ainda a insultarem-se e ignorando-me completamente, como se eu fosse apenas mais uma peça do seu engenhoso puzzle.
E pronto. Cá estou novamente à espera de consulta.
O meu psicólogo, na última sessão, disse-me que me achava pior, mais inseguro e mais inquieto. Perguntou-me:
- Alguma razão em especial para este agravamento do seu estado de ansiedade?
Respondi-lhe:
- Na verdade, doutor, não é uma razão, diria antes que são duas…

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