Recordo as imagens... Joaquim Pessoa


Recordo as imagens. A tua lembrança é uma queimadura que não dói. Já não dói.
A música que fez rodar as nossas tardes está obscuramente calada, a flauta é infeliz, o diabo está dentro dela.
Os nossos anjos estão agora num asilo, as suas asas estão molhadas de amargura, a truculenta carne da paixão perdeu o prazo e o sabor.
Volto-me para dentro e vejo minúsculas matérias que não se revelaram, não aconteceram, não chegaram a fluir.
Foste brilhante, pura, azul como a aura de uma criança loira.
Agora, os teus dedos bailarinos são de metal, são frios, incapazes de comunicar, de se exprimirem na linguagem que ajudou a derrubar todos os impérios: a ternura.
Não estou apavorado, só estou triste.
E nem preciso que me expliques as razões porque morremos, estando ainda vivos.
Como nalgumas estrelas que explodiram há muito, mas que continuamos a registar no mapa do céu.
Se me mostrares um caminho, eu seguirei noutra direcção.

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