Mulher a dias ou namorada... Ana Fonseca da Luz


Não fosse o facto de estar a descascar cebolas para o refogado, quem entrasse nesse momento na cozinha, haveria de pensar que ele estava a chorar por causa da música que tocava, nesse momento, no rádio.
Com as lágrimas a aflorarem-lhe aos olhos, ia cantarolando: “Please, please don`t make me cry” dos UB40
Olhou para o maço de cigarros e teve vontade de largar o refogado e de acender um Marlboro, em vez de acender a porcaria do bico do fogão.
Esta vida de solteiro estava a dar cabo dele. “As mulheres são chatas, absorventes e, por natureza, sempre carentes. Mas fazem muita falta!”, pensava, enquanto via se o refogado estava bom de sal e de piri-piri.
Podia muito bem estar agora na sala, de perna cruzada a ler “A Bola”, enquanto alguém encantador lhe fazia o jantar. Mas não! Tinha de estragar tudo, mais uma vez…
O vício falou mais forte. Baixou o bico do fogão e partiu rumo à varanda, para mais uma cigarrada.
Olhou de soslaio para o sofá, onde um monte de roupa por passar o esperava com impaciência e seguiu caminho até à varanda, assobiando “Só nós dois é que sabemos”.
Também não percebia o porquê de assobiar um fado. Ele nem gostava. Era, com certeza, aquele orgulho de ser português que, por mais que ele o amortalhasse, traz e vira vinha ao de cima e o fazia gostar um pouquinho de fado.
Voltou a lembrar-se do bem que a sua antiga namorada passava a ferro. As camisas dele estavam sempre um mimo Mas quem é que aguenta uma mulher a quem um homem tem de dizer, no mínimo vinte vezes ao dia, que a ama? E que não pode viver sem ela?
Bem sabia ele se a amava ou não. Na altura parecia-lhe que sim, agora…
Acendeu o cigarro e deu uma passa que lhe soube divinamente. Tinha de deixar de fumar. Tinha? Porquê?
Tinha de morrer de qualquer jeito. Sempre que comprava um maço de cigarros e via lá escrito em letras garrafais “Fumar Mata”, ele dizia de si para si:”Também andar de bicicleta!” Até namorar pode matar!…
Lembrou uma outra namorada, que era uma perfeita selvagem e que, um dia, um dia em que ele chegou virado do avesso e lhe deu um empurrão, porque já não aguentava mais o interrogatório que ela lhe fazia, ela lhe atirou com uma jarra com flores e tudo e que, só não o matou, porque a pontaria não era o seu forte. Já a cozinhar, era uma deusa!…
Resumindo, namorar, tal como fumar, matam!
No rádio, agora, tocava uma música inesquecível, “The sound of Silence”.
Amava aquela música! Lembrava-lhe alguém…Não sabia quem, mas tinha a certeza que tinha sido alguém com alguma importância…
Apagou o cigarro e regressou à cozinha, olhando com desprezo o monte de roupa por passar e o pó dos móveis, no qual já poderia muito bem fazer verdadeiras obras de arte de desenho ou escrita.
Tinha de dar um jeito naquela casa.
Das duas uma, ou arranjava uma mulher-a-dias, ou uma namorada.
Pesou, na sua balança digital imaginária, por qual das duas havia de optar e percebeu que, naquele momento, nenhuma das opções lhe agradava.
Gostava de chegar a casa e poder ir espalhando a roupa e os sapatos pela casa, sem ter uma vozinha atrás de si a dizer-lhe:
- Amor! Amor, acabei de arrumar tudo…olha como já está a nossa sala! (nossa?)
Essa namorada era o cúmulo da arrumação. Não podia ver nada fora do sítio, tudo tinha um sítio certo, nem um milímetro para a frente, nem um milímetro para trás. A arrumação era de tal ordem que ele até se enervava, só de pensar que ia entrar em casa e macular todo aquele asseio e arrumação.
Aguentou-a durante quase um ano, (praticamente um record) porque, em matéria de sexo, era uma verdadeira leoa, com uma imaginação fértil e pode-se dizer que era muito bem arrumada, fisicamente falando…
O cheiro do jantar aguçou-lhe o apetite.
Deu por bem gastos os muitos euros das aulas de culinária que tinha tido, para solteiros e divorciados.
Há gente com uma imaginação!
Deve ter sido uma mulher que teve tal ideia! “Aulas de culinária para solteiros e divorciados.” dizia o panfleto que lhe tinham deixado no vidro do carro.
Foi aí que percebeu que Deus existe. Só Deus podia saber o quanto ele estava enjoado de sopas Knorr e atum Bom Petisco aos jantares e Bolicaos aos pequenos-almoços.
Na Rádio Renascença, de quem era cliente habitual, saía o som melodioso de uma velha canção dos anos sessenta.
Novamente os Beatles. Hoje o locutor ou está pouco imaginativo, ou então apaixonado.
- Don’t let me down…
“Nobody ever loved me like she does…”
Cruzes, credo…
Até o refogado me vai cair mal no estômago, com uma música destas ao ouvido…
E eu para aqui sozinho, sem ninguém que me ame assim!
Há gente com muita sorte…
Acabado o jantar, e tal como Freddy Mercury no vídeo clip do “I want to break free”, saca do seu avental do “Benfica” e enfrenta a cozinha, a roupa e o pó dos móveis, com bravura e distinção.
No fim de tudo em ordem, olha com orgulho para a sua obra.
Senta-se, para o último cigarro do dia.
Mulher-a-dias ou namorada?
A professora de culinária não é nada de deitar fora…
E a D. Rosa do 2ºC já se ofereceu para lhe ir lá a casa duas vezes por semana, um dia para arrumar, outro para passar a ferro…
Estava decidido. Amanhã ia convidar a professora para jantar e contratar a D. Rosa para lhe fazer limpezas.
Um homem bem quer, mas a verdade é que é impossível viver sem uma mulher. Se poder ter duas, então…é o céu!


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