Um corpo... Ana Fonseca

Paira sob o corpo a sombra espectro da solidão.
Ele sabe que sempre se sentiu diferente, que sempre agiu diferente e foi apelidado de estranho, de diferente, de louco até.
Sabe que nunca se sentiu pertença deste Mundo, que todas e nenhuma terra é o seu lar, que é de onde se sentir bem, de onde o seu coração lhe disser para estar.
Desde sempre houve em si manifestações incompreensíveis aos olhos turvos das gentes, sempre o soube, calou e aceitou mas como qualquer outro corpo tem os seu momentos e há aqueles que lhe enchem os contornos de dor, de mágoa, que lhe naufragam rios das margens que o definem.
Como custa ser corpo quando se brilha noutras paragens.
Será que ainda procura sentir-se integrado, satisfeito, tranquilo no meio das gentes apesar de diferente?
Sabe-se sensível, com uma sensibilidade que assusta e magnetiza, que ora preenche ora afasta e que até causa repulsa nos cérebros que não sentem.
Tem tanto para dar.
Como não perceber a autenticidade do corpo que sente, que bebe nas palavras o néctar que alimenta, que se veste de sorrisos e de carinhos, que transporta nos gestos todos os afectos, que é farol só porque respira? Como?
Ele não percebe e quando tal acontece refugia-se no seu abrigo secreto, aquele que só ele sabe que existe e que é bafejado pelo pó estelar, essência do Universo a navegar.
Nesses momentos é um corpo que deixou de o ser, é etéreo e sabe-se, vive-se, É-se!
Nesses momentos, é completo. Nada o aflige, nada o compele nem repudia, nada o atrai e no desapego, tudo o é, tudo o habita.
E é essa sensação de plenitude que o abandona quando caminha solitário por entre as gentes.
Ele, ele é simplesmente um corpo que, por esta vez, se escolheu mulher e cruza as ondas da vida na crista dos sentimentos.
É um corpo que não se quer sentido por prazer e sim por ser fonte inesgotável de amor.
É um corpo que cego ao pensamento, vê miríades com o coração, nos olhos e nos sentires ausentes do caminho.
É um corpo que é Luz e aspira descascar-se do que o tolhe e sê-lo eternamente.
É um corpo que grita, que chora, que ama e aspira cumprir-se, ser feliz!
O trilho da solidão é a presença que o identifica, ilumina.
um corpo entre tantos e é único, irrepetível…

Nenhum comentário:

Postar um comentário