Um texto (a)moral... Francisco Valverde Arsénio
Duma maneira ou de outra, todos nós tendemos a dar um determinado valor à vida. Cada um a entende de determinada maneira, e todos somos diferentes. Há uma necessidade intrínseca de nos fecharmos e de olhar o que está para lá de nós como se aqui, dentro de nós próprios, a segurança fosse a pedra-de-toque. Protegemo-nos de dentro para fora e guardamos a vida como se ela fosse um artefacto. Imaginemo-la como uma peça de porcelana, imaginemos que se parte – há sempre algo que interrompe a linha recta –, mas podemos voltar a reconstruí-la. Faltarão alguns pedaços – não poucas vezes há um vazio –, outros não voltarão mais a aparecer, e no entanto vale sempre a pena colar os que ficaram e voltar para aquela vida de que desfrutávamos. Se ficam marcas nas colagens? Claro que sim. Ficam sempre algumas cicatrizes, só que isso não é impeditivo de a reconstruir.
O mundo está em permanente mutação, o que ontem era branco pode hoje amanhecer preto. É nesta perspectiva que me questiono: «Será que damos valor às coisas pela aparência das mesmas? Será que damos valor àqueles que nos olham com amor? Onde ficam os amigos que fizemos e que importância têm para nós? Será que há um preço para a amizade?»
Gostava de me olhar no reflexo de um espelho e ver-me como uma bola anti-stress, ser o resultado de tudo e de nada, do passado e do presente. Posso até ter algumas mossas, resultado de dissabores, mágoas, feridas e outras mazelas, mas sei que, por muito que me apertem, retornarei à forma normal. Sei que tenho defeitos mas também valor dentro de mim. Já olhei para muitas pessoas e notei falta de qualidade e pouca valia. Há muita gente assim, conformista, deixando-se ficar a ver o rio desaguar no mar, acomodando-se e resistindo ao mais pequeno avanço do dia. Contudo, se olharmos bem dentro dos seus olhos, saberemos que são essas mesmas pessoas que nos fazem dar valor a outras. Todos nós somos nalguma fase da vida pessoas acomodadas. Tudo seria diferente se déssemos importância a quem nos rodeia com base naquilo que somos e não no que deixamos transparecer. Não tenho dúvidas de que seríamos melhores superando-nos a nós mesmos e não quando procuramos superar os outros.
Quando fazemos da nossa vida um artefacto que podemos colar se se partir, e, se olharmos continuamente para as imperfeições alheias em vez de olharmos as nossas, então estigmatizamos os que nos rodeiam, os que nos apoiam e estão sempre ali, ao alcance do nosso braço, para nos ajudar. Esquecemo-nos de que o que conta é o momento presente e que nada nos é garantido, tudo é passageiro e efémero. A vida é como uma maratona, alguém há-de ganhar, mas aquele que segue em último lugar, se for persistente, também alcançará a meta.
Todos os textos deviam ter um certo conteúdo moralista e ser entendíveis do princípio ao fim. Este fica-se pelas reticências, pela corda bamba do trapezista, pelo olhar criativo de quem o ousar ler.
Francisco Valverde Arsénio
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