Agonizo... Ana Fonseca da Luz




Agonizo…
Agonizo nas horas cheias de minutos, porque me incomodam os segundos que pingam devagar, num cadenciar morno que se repete, emitindo sempre o mesmo som, um som cavo e desesperante que me diz que aquele segundo, aquele minuto e aquela hora estão perdidos para sempre e que não voltam atrás.
Agonizo no desespero do desperdício do tempo.
Naquele vai e vem repetido de coisas passadas e amordaçadas pelo frenesim da vida que ora me alegra, ora me entristece, mas que sempre, sempre me surpreende com rotinas amaldiçoadas por tempestades que não consigo contornar.
Deito a cabeça na almofada da vida e em silêncio invento sons que desconheço, só pelo prazer de me admirar com os contornos sempre novos dos dias sempre iguais. Agonizo…
Em desespero, procuro a mão que me salve, que me puxe para cima, porque não tenho forças para dar o impulso necessário para sair desta agonia que me sacia, que me quer bem e a quem eu quero tanto mal.
Sabe-me o tempo a mel, a fel e a um lutar constante por esta insatisfação que se cola a mim. Que me crava as unhas e me fere e eu gosto.
Agonizo…
Deleito-me com as cores da noite, com o chilrear dos dias, com as flores que teimam em nascer, apesar das dores que se espalham incontroláveis nos olhares de quem me olha, como se eu fosse alguém.
Ai se eu fosse alguém…
Se eu fosse alguém, seria certamente uma pessoa diferente. Seria um barco com remos, que cortava as águas compassadamente, deixando um rasto certinho no azul do mar. Se eu fosse alguém, seria uma régua e faria traços firmes, a direito.
Entrelaço os meus dedos uns nos outros, para me agarrar a mim, porque agonizo. Mas dói-me este nó a que me agarro e, mais uma vez, a borracha do tempo apaga o meu rasto, que é torto e intermitente.
Não sei se ria se chore, se fale ou se fique calada, porque mais um minuto escorreu por mim sem que eu pestanejasse, sem que me apercebesse de que rolam já pelo meu chão tantos e tantos segundos que não consigo controlar.
Pontapeio as horas, porque me incomodam. Malditas horas que não se apiedam de mim.
Chamo-as, mas não voltam.
E os minutos, carregados de segundos funestos e marcantes, riem de mim e deste meu vagar acelerado que me incomoda, que me desespera e, agonizo.
Olho-me no espelho que o tempo já amareleceu e a minha figura torta e inacabada ri-se de mim. Olha-me com pena e eu escondo os anos por detrás da máscara que hoje vesti. Hoje, vesti-me de mim! Quase não me reconheci. Não fossem os meus olhos que continuam iguais, apesar da venda que o tempo me impôs, não me reconheceria. Pensaria que se tratava de outra mulher cheia de horas, de minutos, de segundos. Cheia de uma tristeza primitiva e sem consequências, que rouba olhares e beijos, porque agoniza. Sento-me finalmente no chão e empurro para longe o espelho, porque me incomoda. Afasto a carpete, porque quero sentir o frio do tijolo. Quero comparar o frio do chão com o frio da minha agonia. São quase iguais, os dois frios. Talvez o meu seja mais real, apesar de não se ver. Talvez, mas, neste momento, nada é certo.
Ai como me dói esta inconstante agonia que me cerca! Como me desespera esta minha entrega ao tempo que me roça constantemente a existência e me faz caretas que me assustam.
Tapo os olhos com as mãos magras, ossudas, desajeitadas e empurro com o pé outra hora que caiu mesmo à minha frente.
E então, desisto!
Deixo cair o corpo, devagarinho, para não me magoar, sobre todos os minutos da minha vida.
No último segundo da minha última hora, sorrio.
No ultimo segundo da minha agonia, apago uma última gargalhada e agonizo no desespero de não me compreender…
E as horas, vendo-me assim, agonizante e pálida, tapam-me com minutos de dor e segundos de tristeza. Ainda penso em sair dali, mas não vale a pena.
Entrego-me ao tempo e agonizo.

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