A Guerreira... Ana Fonseca da Luz












Obrigada mais uma vez.
Vou repetir…
Obrigada mais uma vez, por teres estado sempre, comigo.
Por teres caminhado à minha frente, mostrando-me o caminho, a meu lado, para me amparares e atrás de mim, quando eu precisava de silêncio e de tempo para chorar por mim.
Soubeste sempre o que me dizer.
Soubeste sempre ouvir-me, de olhos brilhantes, enquanto os meus olhos só destilavam raiva e revolta.
Soubeste até, amar-me, mutilada.
Soubeste até, beijar-me com ardor, o peito que eu já não tinha e passar com ternura a tua mão pela cicatriz, que me mostrava uma mulher incompleta.
Que fiz eu para merecer um homem assim, com um coração tamanho do mundo e com um amor imenso por esta pessoa, que eu fui e que já não sou?
Como podes tu querer-me tanto, se eu me detesto?
Lembras-te da primeira vez que me acompanhaste até ao espelho, de mão dada comigo e em silêncio, para que eu tomasse conhecimento do meu corpo, já mutilado?
Enquanto eu chorava, rasgando-me por dentro, tu apertavas-me a mão com força e dizias-me que eu continuava linda, que não era por eu ter apenas um seio, que me amavas menos, que até me amavas ainda mais?
Lembro-me que caí aos teus pés chorando alto e arranhando os braços para ver se aquela dor física, conseguia ser mais forte, do que a dor que me consumia a alma.
Aí, choraste comigo e disseste-me ao ouvido:
. Não choro por ti. Choro contigo!
-Meu Deus, como eu tive vontade de te bater, por continuares a amar a mulher de quem eu não gostava mais.
Como eu tinha vontade de morrer, levando-te comigo, para que me continuasses a amar, para além da eternidade!
Até os meus pensamentos, quase suicidas, tu adivinhavas. Lias-me na alma, como se eu fosse um livro aberto, cheio de letras, que só sabiam formar palavras de tristeza.
Nesses momentos, quase não me deixavas. Inventavas jogos, que eu fingia jogar com interesse, para te enganar e para que me deixasses sozinha.
Nunca desististe de mim e eu, já há cinco meses que não faço mais nada, se não desistir de mim.
Hoje, observei-te a dormir e, reparei, como o teu sono é sempre sobressaltado, como se até durante o tempo em que Morfeu te embala nos seus braços, zelasses por mim. E zelas, que eu sei.
Passo a mão pelo peito, que não tenho e sou inundada por uma força imensa que vem de ti. Levanto-me, vagarosa porque agora nunca tenho pressa para nada e dirijo-me ao meu pior inimigo. O espelho!
Faço descer a camisa de dormir até à cintura e pela primeira vez, enfrento os meus fantasmas.
Choro.
Soluço.
A mão direita afunda-se no vazio do meu peito e fico ali, já sem chorar em observação.
Tão mulher!
Tão inteira!
Tão viva!
É assim que tenho de pensar.
Tão viva, com um marido que me aceita, mutilada, mas transformada numa verdadeira fortaleza, de um dia para o outro, pela simples razão, de tu nunca me teres abandonado. Por nunca me teres olhado com asco, ou pena,
Por seres a minha alma gémea, A outra metade de mim,
Abandono o espelho…
Dirijo-me para a cama onde tu dormes, em sobressalto.
Aninho-me em ti, com o peito desnudado.
Recebes com ternura o calor do meu corpo e acordas com uma expressão feliz. Como se percebesses que acabo de renascer.
Perdemo-nos num abraço faminto e eu, mulher inteira, e não mutilada, afogo-me no teu corpo, enquanto me beijas o seio, que já não tenho.
Obrigada por teres estado sempre comigo e saberes ser a minha outra metade, fazendo-me esquecer que sou uma mulher mutilada e lembrando-me constantemente que sou uma verdadeira guerreira e que estou viva!

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