Hoje perdi mais um... Ana Fonseca da Luz


Os dedos das duas mãos já não me chegam.
Conto novamente. Os dedos das duas mãos já não me chegam, para contar os amigos que perdi.
Hoje perdi mais um…
Começo a compreender agora a tristeza que invadia o meu pai, sempre que perdia um amigo. Lembro-me que caminhava silencioso pela casa, de olhos colados no chão e que se fechava no quarto, a ouvir música, baixinho.
Nessa altura, ainda eu pensava que só os outros é que morriam e a morte, para mim, era apenas uma despedida breve no cemitério, uns meses de saudade e pronto.
Mas a idade e o facto de vermos amigos da nossa idade a irem embora, de um momento para o outro, fez-me ver a morte com outros olhos. Com olhos com lágrimas que, apesar de secarem com o tempo, ficam para sempre como uma aguarela de saudade.
Hoje também estou assim, silenciosa, amargurada, porque mais um amigo partiu e me apercebi de que a morte está em cada esquina, também ela infelizmente silenciosa e traiçoeira, à nossa espera, para nos levar para longe de todos os que nos querem bem.
À medida que os nossos amigos nos vão abandonando e que tomamos consciência de que podíamos ter sido nós a partir, apercebemo-nos de tantas coisas que podíamos ter feito e não fizemos. Só nesse momento tomamos consciência do tão pouco que gostamos de nós, só nesse momento é que juramos a nós próprios que amanhã sim, vamos começar a viver, porque a vida é breve.
Mas vem um novo dia e tudo continua na mesma, continuamos a levar a nossa vida cheiinha de pecadilhos, cheia de conflitos que facilmente poderíamos evitar, cheia de nada e de coisa nenhuma…
Hoje estou silenciosa, só consigo mesmo ouvir o som da minha alma e o som, diga-se a bem da verdade, não é nada famoso.
Felizmente deram-me algum sossego cá em casa, para que possa estar comigo mesma e ganhar coragem para estar com quem precisa mesmo de estar comigo.
A amizade é realmente uma coisa maravilhosa. Talvez porque podemos escolher os amigos e eles não nos serem impostos pela natureza.
Gostamos dos amigos porque gostamos e está tudo dito.
E nem é preciso visitarmo-nos todos os dias ou constantemente estar pendurados ao telefone.
Quando somos amigos, mesmo sem nos falarmos todos os dias, sabemos sempre que podemos contar uns com os outros.
Às vezes, basta uma pequena mensagem a dizer “não parece, mas nunca me esqueço de ti” e o amigo do outro lado esboça um sorriso e sabe que é verdade. E sabe que tem sempre um ombro para chorar quando for preciso e que pode dividir uma alegria, mesmo à distância.
Eu tenho amigos maravilhosos, não são muitos os amigos “amigos”, mas são imortais.
E agora que, escrevendo, lembrei alguns bons amigos que já perdi, acabei por sorrir, porque a minha aguarela de saudade está cheia dos seus sorrisos, que eu nunca esqueço.
Apetecia-me mencioná-los todos, um a um, mas, infelizmente já são realmente muitos…
Que pena termos feito esta viagem juntos por tão pouco tempo…
Mas, como acredito piamente que isto que vivemos aqui é apenas uma passagem para outra vida, e o que deitamos à terra, quando fechamos os olhos de vez, é apenas a embalagem da nossa alma, embora triste e silenciosa, também estou esperançosa de que um dia voltaremos a estar todos juntos.
A todos os imortais que já partiram, deixo a minha aguarela de saudade, porque, ao fim e ao cabo, eles continuam presentes, eu apenas os deixei de ver…

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