Incerta nitidez... Francisco Valverde Arsénio



Com pequenas frases pinto os teus olhos e tento desvendar-te por dentro. Faço risos e sorrisos, aqueles que se cruzam no vazio da tua boca, os que se vêem ao longe, os que estão perto, os que tornam curtas as distâncias.

Com pequenas frases ensaio nos teus dogmáticos lábios o dourado do trigo maduro em contraponto com o vermelho vivo das tulipas e delimito-te como se fosses os versos dum poema. Nego-me no que sou, nas palavras que não devo escrever, na tentação de te esquecer e não te encontrar perdida numa sombra. Caminhas contra os meus quereres e envolves-te nos anseios esquecidos da rua, apertas-me a mão e soletras comigo a mesma melodia. Sim, basta um apertar das mãos e sinto-te infinitamente grande, desmesuradamente vibrante na minha essência e divido contigo a alma na magia das noites. Com pequenas frases, faço-te, envolvo-te num rasto que permanece na minha loucura e engrandece a estrada que trilho.

Posso esquecer-te, quero esquecer-te e acender uma vela na escuridão que me acompanha, vagabundear como uma alma perdida, como a rosa negra e o alecrim que me abraçam. Posso esquecer-te quando me quiseres encontrar.

Sim, com pequenas frases desnudo-te no querer, mas quem és tu que entoa o meu nome; que me lança num vale como se fora uma ave; que me toca o rosto como se fosse pena? Quem és tu que me chama por entre brumas e luz e flutua nas águas como o prateado da lua cheia? Ouço por entre o quebrar das ondas o teu canto: sereia, porque me chamas, tu, musa do além que povoa o meu sono leve? Porque te encobres na neblina que vem do outro lado da rua e me abraças nas sílabas soletradas pelos teus lábios?

O dia começa a acordar, procuro-te num passado e num futuro retardados, procuro-te no retrato da cidade e no reflexo do vento que sopra forte quando as letras demoram a aconchegar-se nas linhas.

Com pequenas frases… habitas-me.

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