Indefinições - e a aquarela das mãos frias... Francisco Valverde Arsénio


Será possível definir a forma de algo nunca visto? Será possível traçar os contornos do desconhecido e encontrar um nome para os sonhos que vão conquistando lugar no espaço virtual? Talvez seja possível, talvez não. Parece fácil encontrar motivos que nos levem a pensar que tudo é tangível, mas expor sentimentos é um pouco mais complicado, é como escrever – sim, escrever não é nada fácil –, as palavras escorregam como areia seca, dentro da pele entranha-se uma necessidade de moldar os contornos que se apresentam perante os olhos, é como um poço cheio de vontades e sem limites. O desconhecido é apetecível, desejado, torna-se palpável no abstracto, tem textura própria, é como as luzes que brilham na noite indicando o caminho, são traços que podem desenhar e unir pontos, são fronteiras delimitadoras da ilusão e da realidade.

Existe inquietação, fascínio e deslumbramento pelas infinidades de hipóteses que se nos afiguram, há certezas nos possíveis e impossíveis e aceitamos entrar em todas as portas; rendemo-nos à inevitabilidade das coisas. Não poucas vezes, na ânsia de tratarmos o desconhecido como algo alcançável, sentimos o abalo da rejeição, sentimos que há caminhos que terminam no abismo, que existe deslumbramento negativo e incertezas. Afinal, o mundo não é como se apresenta nos nossos sonhos, não nos dá garantias e escava cicatrizes na pele.

Num outro dia deambulei por Lisboa. Vi rostos e casas, automóveis e ruas, escrevi histórias e fiz história, deixei-me ir naquela mole de gente que faz pulsar a cidade. E sentei-me numa esplanada a meio da avenida. Entre um café e um sumo, a meu lado, alguém desenhado a lápis de cor sorria-me, tocava ao de leve na minha mão e, aos poucos, esqueci-me que já foi virtual. Tinha a mão fria, talvez pelo momento, mas eu sentia-a quente, olhei para os seus lábios rosados e olhos castanhos. Um sorriso estonteante esteve sempre presente no seu rosto, a voz era doce e notava-se fogo no sangue. O líquido amarelo do sumo contrastava com a sua pele e por momentos recusou-se a subir a palhinha em direcção aos lábios, também ele queria ficar ali dentro do copo a observar aquela figura linda. Corria uma ligeira brisa e ficámos sem tempo para ter tempo. A que sabiam os seus lábios? Isso não posso descrever, ainda não foram inventados sabores de comparação nem palavras que substanciem o seu paladar. Sim, tinha as mãos frias mas o sangue fervia-lhe nas veias tal como o meu. No quiosque junto à arca dos gelados estava um pequeno quadro com fotografias a preto e branco, com artistas do antigo Parque Mayer. Por breves momentos desviei o olhar da minha musa e mergulhei naqueles instantâneos de outrora, num breve segundo humedeceram-me os olhos, quem passava não imaginava o porquê, nem tão-pouco quem estava a meu lado reparou. Fiz uma viagem pelo tempo nas fotos carcomidas pelos anos e aquela aguarela pintada pelos meus dedos mantinha-se a meu lado lutando com o amarelecido sumo que teimava em não percorrer a palhinha. Contorno-lhe o rosto com as mãos e ela salta do abstracto para o concreto, num instante fiquei impregnado com o seu brilho e guardo ainda a indefinição do seu sabor.



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