No rio dos dedos - o caudal do coração... Ana Fonseca


Pede-me a razão que não ouça o apelo, pede-me o coração que deixe os afazeres de lado e dê voz aos dedos que me chamam incessantemente, que me pedem que segure o aparo com que pintam letras na tela de todos os momentos.

Não resisto, nesta luta desigual eu bem sei que o coração sai sempre vencedor e ainda bem. Ele é a divina mão que se encarrega de escrever os meus caminhos, de tecer os meus contratempos envoltos num novelo de sentimentos.
É por ele que respiro, que abraço, que me sinto, que contemplo e que pressinto. Quantas vezes, é ele que me murmura ao ouvido. Quantas vezes, fecho os olhos e o filme que contemplo é obra deste realizador magnânimo e altruísta que me entrega no ecrã dos olhos, todos os sinais, todos os segredos a desvendar, todos os caminhos a traçar. Quantas vezes, de olhos fechados tudo vejo. Quantas vezes, de olhos abertos nada percebo.

Como os nossos sentidos podem ser tão enganadores, como o nosso cérebro se pode esquecer de sentir, de perceber e o coração, queda-se triste mas jamais mudo pois ele é omnipresente em todos os sentires e sabe aguardar, sem se desesperar, que o sejamos capazes de ouvir.

Quantas vezes, a vida corre célere e nós perdidos nas malhas do tempo, nas angústias teia que nos prendem, nos soluços de pele gravados, passamos insensíveis à sua melodia e quando acordamos é porque uma outra porta se abre, um outro céu se oferece ou simplesmente porque chega o tempo final, porque a vida percebe que já nada há a fazer, em que já nada há que sirva para nos despertar e então adormecemos na ilusão de uma vida que se deixou perder, que se esqueceu de beber a magia do perceber o acontecer.

Por tudo isto, e por mais que tenha tanto para fazer, concedo-me o dom da pausa, de saborear o momento que me pedem os dedos e deixo-me fluir.
Sou mesmo assim.
Só sei entregar-me no caudal do segundo, só sei fechar os olhos e formular desejos incontidos, só sei acreditar e voar, só sei permitir-me aprender e tudo soltar, só sei perceber que nada me pertence, que o que tenho é uma dádiva da vida a vivenciar.

Só sei que sou simples e imperfeita e que deixo que o leme que me guia me conduza à porta perfeita, àquela que não vejo mas por certo se abrirá quando todas as outras se fecharem ao meu caminhar.
Só sei que nada peço, que me deixo estar, que ouço o que tens para me dizer mesmo quando és soluço inaudível, que ajo porque respiro, que te dou as asas com que me encantas o olhar.
Só sei que eu e tu somos Um.

O que eu percebi só por te ouvir, só por te deixar interromper o meu correr. Obrigada!

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