O BEIJO... Ana Fonseca da Luz










Que mal há num beijo? E se for um beijo que esperou vinte e muitos anos para ser dado? Que mal há num beijo? Nenhum!

Não se viam há mais de vinte e cinco anos. Foram o primeiro amor um do outro. Foi um amor verdadeiro, forte. Foi o primeiro. Encontraram-se por acaso, numa festa de casamento de amigos. A noiva era amiga dela e o noivo, amigo dele. O namorado dela não tinha ido, porque estava no estrangeiro. A namorada dele não tinha ido, porque não gostava do noivo.
Cruzaram-se, primeiro sem se reconhecerem, ou com medo de que isso acontecesse. Mas, ao almoço, ficaram um em frente ao outro. Sentaram-se, cumprimentaram-se. Ele disse-lhe que ela estava na mesma. Ela agradeceu o elogio e retribuiu.
Alguma coisa se acendeu, nesse momento. Quem os visse, um frente ao outro, a rirem e envoltos numa cumplicidade inquietante, iria jurar que nunca se tinham separado e que o amor era tão forte como no dia em que ele lhe perguntara: – Queres ter namoro comigo? – Quero – dissera ela, dando-lhe a mão.
Depois, lembraram os velhos tempos. As festas, os amigos, agora com barriga e carecas, na sua maioria. E o primeiro beijo!… Aqui ela corou e ele, sem querer, tocou-lhe na mão. Seria que o coração lhe queria sair pela boca, só porque ele lhe tinha tocado na mão? E ele, por que razão baixou os olhos e, depois, a olhou a medo?
Mais tarde, falaram dos filhos, dos empregos e dos sonhos por realizar. Ele sonhava ter um barco e poder velejar sozinho pelo azul dos mares. Ela sonhava ter uma casa à beira mar. O mar, sempre o mar, no sonho de ambos. Sonhos continuavam por realizar...
Depois do almoço, veio o tão desejado café e o cigarro. Mais tarde, o DJ com músicas dos anos 70.
Era ou não o destino a empurrá-los um para o outro? Era ou não era Deus a testá-los? E aquela luz cada vez mais forte que parecia envolvê-los…Seria que só eles é que a viam, ou os noivos tinham realmente passado para segundo plano, naquela festa em que eles se tinham tornado os protagonistas?
- Lembras-te desta música? – perguntou ele.
- O “Without you”? Impossível esquecer… Lembro-me muito bem.
Uma vez, numa festa, à luz da vela, ele tinha-lhe traduzido toda a letra ao ouvido.
- Vamos dançar – disse ele, agarrando-lhe a mão com força.
- Vamos – respondeu ela, perguntando a Deus onde ia arranjar forças para superar tal prova.
Caminharam por entre os pares, sem verem ninguém. Dançaram juntos, mas discretamente. Que força era aquela que puxava o corpo dela para o corpo dele? Era como se a mão de Deus, ou talvez do diabo, os quisesse juntar!
- És feliz? – ele perguntou.
- Sou. E tu?
- Também. Ou por outra, pensava que era… E tu, és mais feliz agora ou esta manhã, quando saiste de casa?
- Agora – confessou ela, olhando-o nos olhos, de fugida.
Era um jogo perigoso, o deles! Era preciso parar.
- É tarde, tenho de ir. Ainda ficas? – perguntou ela.
- Não, vou também. Levo-te até ao carro.
- Não, fica. Eu vou sozinha.
Era preciso recuperar as forças antes de pegar no volante, pensou ela. Mas ele acabou por sair com ela. Por sorte ou azar, os carros dos dois estavam lado a lado. Seria o destino? O acaso? Coincidência? Se a Margarida Rebelo Pinto ali estivesse, diria que não há coincidências.
A noite parecia de veludo e a lua, no céu, parecia feita de cetim branco. Tudo convidava a que aquele dia fosse mais do que um simples reencontro entre dois velhos amigos que se tinham gostado tanto há tantos anos atrás.
- Se soubesses como gostei de te ver! – disse ele, olhando-a fixamente, com aqueles olhos que continuavam lindos de morrer. – Queres dar-me o teu número de telemóvel?
- Quero, mas não posso – respondeu ela de olhos iluminados e macios.
- Compreendo – respondeu ele. – E um beijo?
- Um beijo não se nega a ninguém – disse ela, tentando recordar como tinha sido o primeiro beijo que tinham trocado num vão de escada mal iluminado, numa tarde chuvosa de um sábado qualquer.
Então, um beijo leve, mágico e último foi trocado por eles. Demorou breves segundos. Mas ela sabia que aquele sabor lhe ia ficar nos lábios pelo menos por mais vinte e cinco anos.
Cada um entrou no seu carro. Olharam-se, mais uma vez, através dos vidros. Foram embora, com a certeza de que eram agora mais felizes do que no momento em que tinham saído de casa, de manhã mas, no entanto, um sentimento de frustração deixava-os mais infelizes do que nunca. E, tudo isto, por causa de um beijo macio.
Afinal, que mal tem um beijo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário