O homem-menino... Ana Fonseca











Uma lágrima teimosa, insistente, plena de vida própria insiste em aflorar-lhe os olhos.
Há um sabor de ausência, de elo perdido, de momento esquecido, de urgência amedrontada a secar-lhe os olhos, a inundar-lhe a garganta de sílabas mudas, de versos cansados, de verbos gastos no percorrer da calçada…

Revolve-se em si e procura o avesso como girassol em busca do sol e perde-se. Nesse movimento contorcido e gasto extingue-se na noite que lhe grita do soalho e os seus passos são ecos mudos de cansaço.
Como hesita em contemplar-se, como grita e de si se afasta, como lhe tolhe o medo os gestos, como se enegrecem os sonhos num caminhar teimosamente insistente de corrosão, de dor, de espasmo.

Como se perde…
e quando finalmente desiste, há um golpe de asa que assiste ao momento, que lhe aponta a direcção de coração em riste e uma luz, há muito esquecida, vibra em todo o seu esplendor a saciar-lhe os lábios da secura árida que lhe cobriu o rosto, que lhe abriu leitos no rosto…
Leitos agora pontilhados de ouro, pérolas magnânimas de vida, estrelas vivas decididas a criar no semblante um novo céu em constelações renovadas de sentires ansiosos, vibrantes, apaixonados e… menino sapiente dos caminhos da vida, já sem nada querer, já sem nada pedir, já sem nada exigir, aprende finalmente a sorrir e encontra num alforge do tempo gasto, um pião que lança ao vento com alegria, sem cuidado e ele segue com ele, esquecido do triste fado a que se votou por ter tido medo de largar o passado.

No pião que rodopia na brisa, cintila e entrega-se livre ao instante, aos caprichos do vento que o guiam a incerta e cintilante parte e finalmente descobre que é possível ser feliz.

Uma lágrima aflora-lhe os sentidos e sente a liberdade a exalar-lhe dos olhos, assim ri, o homem-menino…

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