No ventre da incógnita... Francisco Valverde Arsénio










Não sei como descrever o substantivo «tempo», ele que é alegria e dor, pesadelo e sonho. Tempo, é tudo quanto não podemos fazer voltar atrás. Não conhecemos o tempo, e no entanto ele passa constantemente por nós e nós por ele. Na mesma latitude do tempo, temos o substantivo «felicidade» que também não tem definição objectiva; no limite, não existe. Felicidade é um bem-estar aparente conseguido à custa da abstracção da dor ou da descrença, existe quando nos concentramos apenas naquilo que nos dá prazer.

Tempo e felicidade… um binário intemporal, tal como sentimento e poesia. Estas são palavras adocicadas que nos escapam dos dedos, imbuídas das emoções que povoam a alma do poeta. Há muitas palavras que são estados de alma, que não têm definição. Mesmo assim, não nos poupamos ao procurar significados e razões para enchermos a boca de argumentos. Vejamos o amor, aquele que julgamos ter em nós, que nos pertence, que guardamos no peito. O amor não é uma entidade apática, inerte e estagnada, o amor vai e vem, é uma roda presa ao eixo, por muito que queiramos que fique, se entranhe no âmago, ela vai, sobe, desce. É um contrapoder dentro de nós, por isso ninguém ainda o descreveu como fácil, pousando na mão como a borboleta na flor. Não! O amor controla-nos impiedosamente, toma conta dos sentimentos, das nossas vontades, é tudo numa mistura de nada mas faz-nos sorrir, respirar, e torna magnânima a partida do sol todas as tardes, concede-nos momentos mágicos, únicos e de plenitude, e nós agradecemos-lhe num tempo sem tempo todo o tempo possível.

Desfruto de uma beleza ímpar: ouvir o chilrear dos pássaros, tocar nos ramos novos das árvores e ver o amanhecer ainda em tons laranja. Hoje havia andorinhas pousadas num vaso debaixo do alpendre. Peguei numa cadeira e sentei-me a uns metros de distância junto ao muro. Fiquei ali a olhar envaidecido pelo presente que me fora oferecido. Fiquei inquieto por não ter ali o caderno para descrever aquele quadro pintado de mil cores. Chamei as cadelas para junto de mim e deitaram-se ao lado da cadeira; uma andorinha deixou o vaso e fez um voo rasante sobre a água da piscina na tentativa de apanhar um ou outro insecto. Apeteceu-me ouvir o barulho de água a correr e fui ligar o motor do lago das tartarugas. São coisas simples, belas, pequenas mas muito grandes. Coisas que fazem toda a diferença entre ser e parecer, entre quem sente e finge sentir.

No aloendreiro vão nascer melros, os dois adultos andam num frenesim a construir o ninho. Pode soprar o vento e podem as nuvens pintar o céu de negro, que nesta primavera vou ter novamente passarinhos chilreando no meu quintal. Olho de vez em quando para o aloendreiro observando-os na azáfama da construção, depois vou ver-lhes um sorriso de agradecimento pela estadia e trarão nos bicos os mais belos poemas.

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