Ó miúda, sei lá o que queres... Ana Fonseca da Luz



Ó miúda, sei lá o que queres…
Nunca estás satisfeita com nada. Se faz sol, é porque está muito calor, se chove ficas de neura, porque detestas o mau tempo. Vá lá um homem perceber-te!…
Eu tento, juro que tento, mas não é fácil ver-te satisfeita. Tens sempre essa sombra no olhar, esse tique que me enerva quando mordes o lábio, e essa malvada dessa perna
que abana sempre que está traçada de jeito estudado e caprichoso e que me esfrangalha os nervos.
Depois, bem depois, o balanço dos teus quadris, o desenho do teu pescoço, a curva do teu seio e essa alça que teima em cair e que tu puxas para cima de maneira dengosa e despreocupada.
Isto já para não falar no teu cabelo de seda negra e dessa melena que, de teimosa, constantemente te cai nos olhos e que tu afastas com a ponta dos dedos, de um jeito doce e lento.
Ó miúda, sei lá o que queres…
Constantemente viajas com essa tua imaginação prodigiosa que te leva a lugares onde nunca ninguém foi.
És dona de uma “Rádio Local” onde tocam as mais belas melodias, sempre canções românticas, porque nestes tempos em que o romantismo deu lugar à pressa de viver e a um sem número de tecnologias e modernices, tu continuas uma romântica incorrigível, que continua à espera de um príncipe encantado.
Tenho vontade de te dizer que isso de príncipes encantados é uma ilusão, que não há príncipes encantados, mas já sei que me ias olhar com esses olhos de carvão e que mais uma sombra se ia juntar às que já lá vejo. Por isso, se pensar que eles existem te faz feliz, vou deixar-te sonhar, porque é das melhores coisas que sabes fazer.
Ó miúda, sei lá o que queres…
Tens esta casa branca junto ao mar, que te inspira e te faz pintar esses quadros cheios de marés e de sereias.
Tens areia e água, onde todos os dias, mergulhas os pés e enches os olhos de azul.
Tens dias perfumados de silêncios de que tanto gostas.
Tens luas cheias e novas.
Tens luares de prata que te bronzeiam e te inspiram para poemas que nunca hás-de publicar e que só eu é que leio, em silêncio, enquanto me olhas impaciente, com esses olhos que me matam e tu não sabes.
Tens o céu, quando fechas os olhos e queres voar, deixando-me aqui na terra, tão sozinho.
Ó miúda, sei lá o que queres…
O teu sorriso é eloquente e a tua voz cala-se, muitas vezes, quase sempre quando se deve calar, porque preferes escrever do que falar.
Os teus silêncios, quando muita gente te rodeia, fazem-me inveja, porque não sei como consegues ficar assim a fingir que ouves tudo, quando na realidade não ouves nada. Tens o dom de fazer uma selecção e conseguir ouvir apenas aquilo que te interessa, aquilo que tu dizes que tem “sumo”.
Tens um jardim com mil perfumes e que te entram em casa para te perfumar os dias e as noites.
Tens essa graça no andar, no estar parada e na maneira como aspiras o fumo do cigarro.
Há dias em que não sei se tens o olhar no paraíso ou o paraíso no olhar…
Quando tens o paraíso no olhar és só de ti e, quando tens o olhar no paraíso, não és de ninguém, nem de ti…
E esse abandono, que é só teu, é um dom que invejo e maldigo, porque o queria também para mim.
Ó miúda, sei lá o que queres…
Voltas para dentro e enrolas-te na cadeira de baloiço, de pés descalços e a alma vestida de uma amargura, sem razão nenhuma de existir. Mas sempre te conheci cheia de um amargo que me é tão doce, de uma ligeireza volátil e transparente, nesses vestidos quase sempre coloridos, porque para cinzenta já te chega a vida, conforme tu dizes.
E estendes-me a tua mão, para me dares a mão, sem nunca te dares.
E olhas-me nos olhos e, no entanto, eu tenho a certeza de que não me vês.
E, de repente, perguntas-me, a propósito de nada, se podes encostar a tua cabeça ao meu peito, porque queres ouvir o meu coração.
E eu deixo…
Porque não te sei recusar nada…
E encostas a cabeça.
E o meu coração, ao contrário de que seria normal, pára, por pouco tempo, mas pára.
E tu apercebes-te.
E ris-te.
E dizes-me que o meu coração é mentiroso, que não podes confiar nele.
E eu entristeço, porque é mentira.
E tu sorris-me, porque é verdade.
Ó miúda, sei lá o que é que queres…
E voltas à tua tela, de cabelo de carvão e olhos de seda negra.
E balanças o olhar e tens sombras nos lábios.
E mordes-me o sorriso, enquanto o desenho do teu peito e a curva do teu pescoço me enervam.
E cai-te a alça… e esfrangalhas-me o coração.
Olho-te abismado, perplexo, apaixonado.
Tu cais num silêncio que é só teu. Onde eu não entro.
E ganho coragem, porque o mar me sopra ao ouvido para ser corajoso.
E pergunto-te:
- Sabes o que eu quero?
E tu respondes:
- Ó miúdo, sei lá o que é que queres…

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