POEMA TRIGÉSIMO SÉTIMO... Joaquim Pessoa










Poema Trigésimo Sétimo

"A literatura portuguesa nunca se deu bem com quem
se mete voluntariamente à margem."
(Nuno Fonseca)

Há palavras livres e palavras amestradas.
Eu sempre as escolhi livremente, e sempre as alimentei
à minha própria custa, sem beneficiar de subsídios ou
empregos de circunstância. Comem comigo à mesa,
onde a ementa é a mesma para cada um de nós. Recusam
o prato preferido das amestradas: a sopinha de letras nacional.
Trato-as por tu, nunca por Vossa Excelência. Somos uma equipa
que vem para a rua conviver com todos: o poeta e o pedreiro,
a florista e o advogado, o taxista e o professor, o ministro
e o empregado de mesa, o especulador e o sem abrigo.
Por vezes pode acontecer não serem justas. Mas são sempre
bem intencionadas, e eu confesso o tanto que me têm
ensinado e o quanto ainda tenho a aprender com elas.
E adoro quando me falam de amor. De amor e de combate.
E de combate por amor. E eu amo-as, amei-as sempre,
sem ter o sentimento de que são minhas. Nunca tive
palavras que não pertencessem a todos, que não
quisessem manifestar-se na rua, na cama, no emprego.
Desprezo as que se refugiam num decreto ou numa ordem,
as que se acobardam diante de uma luta justa, aquelas
que são incapazes de um abraço fraterno. E porque
sou livre, só gosto de palavras livres. De pessoas
livres. E dos poemas livres de uma literatura
que apenas pode amar-se em liberdade.

JOAQUIM PESSOA
Do livro GUARDAR O FOGO, a publicar.

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