Procurando-se... Francisco Valverde Arsénio









Fechara a porta devagar como se não quisesse que ela lhe acordasse os pensamentos, e ali estava ela, dum momento para o outro achou-se no meio da rua. «Tudo tem um princípio e um fim», ia pensando por entre outras reflexões que lhe assolavam o cérebro. Apressou os passos para que ninguém conseguisse agarrar-lhe os pensamentos.
Desceu a rua encostada ao lado esquerdo e rente às paredes; não queria que a vissem assim despojada da alma, queria tão-só sair dali, esquecer os cheiros e as sombras e meter-se por ruas estreitas e labirínticas. Queria parar o tempo para o poder acelerar à sua velocidade.
Chegara ao parque que antecede o extenso areal da praia, não sabe quanto tempo levou até ali nem sequer os caminhos que percorrera. Quem sabe, talvez todos eles a tivessem levado àquela areia para poder respirar na presença da imensidão do infinito. Sentou-se e abraçou as pernas com os braços, fechou os olhos e pressionou a cabeça contra os joelhos. Perdeu a noção do tempo e quando abriu os olhos sentira o impacto da luz do entardecer projectada na água. O barulho das ondas e a espuma que ficava na areia davam-lhe uma sensação de bem-estar. Apetecia-lhe mergulhar num desejo íntimo, quase imperceptível, não sabia porque o sentia, apetecia-lhe caminhar submersa até à linha do horizonte e sentir os peixes beijarem-lhe os pés, sentir o sal por dentro da pele, apetecia-lhe tocar nos sonhos com as mãos e segurar o tempo. Caminhou na orla do mar e dentro do peito ia nascendo um regato ainda à procura das margens e do leito.
E eu ali seguindo os passos daquela mulher, a olhá-la, a ver os seus olhos grandes que soletravam sílabas misteriosas. Perturbava-me aquele andar com os sapatos numa das mãos e na outra, pedacinhos do passado. O seu rosto brilhava como a água do mar e da sua voz chegou até mim uma onda quando gritou: «NÃO!!!»
Levantou-se uma leve brisa que se intensificara à medida que a noite se aproximava, estava a chegar a hora dos amantes, dos poetas, dos sonhadores. Naquele silêncio quase lhe podia ouvir o bater do coração, a cadência da respiração, a intensidade dos pensamentos, a pele que se arrepiava por baixo da camisa branca. Continuou a caminhar na fronteira entre a terra e o mar numa essência oblíqua às primeiras estrelas. Nela, todas as horas eram meia-noite, o virar do dia, o partir e o ficar. Esquecera o barulho da porta quando saíra e deambulara rente às paredes. Não quer fugir como nos livros de romance, quer apenas esta liberdade momentânea, quer sorrir por breves momentos ou poder descarregar a raiva contida, quer esquecer todas as perguntas que não têm resposta.
Os cabelos esvoaçavam fustigados pela brisa forte que nascia do mar. Eu permaneci ali, iluminado pelas luzes do restaurante da praia, enquanto ela ia ficando na distância cada vez mais pequena.
Não sei quem é aquela mulher nem o seu destino.

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