AS PALAVRAS SÃO COMO UMA ESTRELA ... Francisco Valverde Arsénio


As palavras viajam ao sabor dos tempos e da essência das coisas. São como um navio que se aproxima duma pequena ilha e adormece nas areias ou como o poeta que navega num poema. As palavras têm outro significado quando se juntam umas às outras, se tocam, mas que cada uma delas não perca a sua própria identidade. As palavras e o poeta são o verso e reverso, as duas faces da mesma moeda. Sem umas, o outro não tem razão de existir, ambos não conseguem, de per si, alcançar a expressão exacta e ideal do que querem transmitir. Trabalhar e usar palavras é como deparar-se-nos a impossibilidade da perfeita criação; há muitos limites físicos e metafísicos no abstracto e no concreto da condição humana, há os limites da cognição e da incomplementaridade da relação que se tem com o que nos rodeia e com nós próprios. Somos seres imperfeitos na nossa concepção e percepção, somos parte dum mistério infinitamente maior que o alcance dos nossos olhos. Não é fácil viver rodeado de palavras, mas bem mais difícil seria ignorá-las, seria como retroceder no tempo e voltar às origens do homem.
Quando era pequeno, havia um jogo que consistia em adquirir uma estrela – eu tive a minha durante muitos anos – nas noites de verão. Costumávamos sentar-nos no poial duma velha casa e, encostados à parede, perscrutávamos o céu à procura de outras estrelas parecidas com a nossa. Tínhamos de arranjar o maior número possível de estrelas e dar-lhes um nome começado sempre pela mesma letra. Aqui começava o grande dilema: para quê ter muitas estrelas se não sabíamos que nome lhes dar? As que não eram “baptizadas” poderiam ser adquiridas por outro, que assim nem se preocupava em “varrer” o céu de ponta a ponta. O poder das palavras impunha-se ao poder matemático e o vencedor era inexoravelmente o que melhor argumentasse e impusesse perante os outros a sua destreza e saber.
Agora que recordei esse meu tempo de menino, invadiu-me uma rara nostalgia. De facto, tudo mudou. Não se vêem grupos de rapazes a olhar o céu com um punhado de palavras nas algibeiras, as poucas silhuetas que deambulam na noite perdem-se no primeiro banco de nevoeiro, não há risos nem correrias nestas ruas e esquinas que ainda me habitam. As casas parecem abandonadas e dou por mim à procura de quem sou. Há uma paisagem exterior e outra no meu interior. Como o tempo é lento e monótono, chega até a penetrar-me um vazio na alma.
Eu gosto de e das palavras independentemente delas gostarem ou não de mim, não me interrogo se são parecidas umas com as outras como fazia com as estrelas, nem me importo com o significado dos seus nomes. Gosto de e das palavras e uso-as à minha maneira tal como faz o pintor com as tintas e o poeta com cada verso do seu poema.

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