CONSIDERANDOS SOBRE UM ESTADO INDEFINIDO... Francisco Valverde Arsénio


Felicidade… felicidade é uma corda bamba de difícil equilíbrio, é não reparar que estamos sozinhos, que a cama está vazia, que o sol está radioso num dia de tempestade. Felicidade não é amor por amor, mas também é, é esquecer palavras e inventar outras tantas, é sentir as entranhas a arder e julgarmo-nos bem, é abraçar o vento, lavar o rosto nas ondas alteradas do mar encrespado, correr descalço com fato e gravata e sorrir para o delinquente que nos acabou de roubar a carteira. Felicidade é, de algum modo, um estado paranóico.
Porque será que quando se escreve sobre amor se fala da chuva, do vento, das flores e dos pássaros, das borboletas e do arco-íris? Porque será… talvez porque a felicidade é um caleidoscópio de emoções, é negar a evidência e ser-se presente renegando o desconhecido futuro. Se me perguntassem que significado tem a palavra amor, dificilmente responderia correcto, é como perguntar ao mendigo a quem acaba de sair a lotaria como se sente, não há respostas para todas as perguntas apesar de todas as perguntas terem resposta.
Ouço uma melodia que vai aumentando de volume e me invade o corpo à medida que tento acompanhar o compasso. Fecho os olhos e entro no mundo encantado… há cavalos que correm soltos pelas palavras pronunciadas no sonho e no silêncio, há um mar, uma terra árida e vermelha, há vento que rodopia em silvos contínuos, uma nascente de água cristalina que transparece do meu rosto. Não há dias neste calendário, o sol está sempre presente mas faz frio ou então são as gotas que me sulcam o rosto que me arrefecem a alma. Há uma casa e uma mesa e tu estás sentada na ponta com um brilho intenso nos olhos. Não sei qual a estação do ano ou se estou ainda dentro ou fora do mundo encantado. Ouve-se o som metálico mas melodioso dum saxofone, os teus olhos continuam brilhantes como se não tivessem sede e a terra árida ondula como os campos de trigo. Por dentro de mim não há passos, há cores, há uma bailarina a percorrer o palco em pontas.
Será que o estado de felicidade é a abstracção ou a fusão do real com o abstracto? Do sonho com o sono? Talvez… felicidade é flutuar no espaço circundante dum abraço, é a janela aberta para lá das paredes, é ter-te aqui quando não estás, é olhar-te o sorriso na ausência, é pintar-te versos num poema. Felicidade é acreditar em ti hoje sem importar se existes amanhã, é reconhecer a textura dos teus lábios de olhos fechados e o teu perfume quando mergulhas no mar.
Felicidade… felicidade é a plenitude da satisfação, é o equilíbrio psíquico e físico… é ter-te.

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