Em suaves nuances... Francisco Valverde Arsénio



Tantas palavras amontoadas no espaço infinito das folhas do caderno. Levito na dormência da inspiração e procuro incessantemente um motivo para continuar a escrever. Contemplo a rua calada de vozes, apenas as árvores dançam ao compasso do vento. Procuro por dentro de mim uma ideia audaz que rompa com o paradigma estabelecido, que me permita soltar os ecos que guardo na caneta.
Paro o relógio para que este não ouse escrever as minhas histórias, não quero que me roube as memórias que ainda não vivi. Sinto-me ausente pelo simples facto de pensar que não tenho palavras, logo eu que desenho mil letras na procura incessante da verdadeira essência que em mim habita. No espaço infinito das folhas pinto as palavras que pingam dos meus dedos e observo-as tal como o visitante duma galeria quando contempla um quadro. Posso estar dormente mas os meus olhos continuam serenos e olho o silêncio da rua em suaves nuances de ausência.
Pouso o caderno sobre os joelhos e deixo-o aberto à mercê do vento que fustiga a tarde e parece que uma voz milagrosamente entranhada em mim me chama. Ah!!! Se estivesses aqui, se abrisses os teus braços aos sonhos, se me guardasses nos olhos e nas profundezas do teu corpo. Olho o caderno, há silêncio nas letras tremidas e no ar não há fusão das duas partes etéreas que se desprendem de nós. Ah!!! Se estivesses aqui, quantos grãos de luz emanariam da espiral dos meus olhos, das gritantes sensações que o silêncio não guarda, dos murmúrios e suspiros soltos provocados e abafados pelo leve roçar das mãos provocadoras. Poderíamos dançar ao som do mar ou do vento que desnuda a rua e entoar cânticos às sereias perdidas nos braços do Adamastor.
Olho o caderno aberto sobre os joelhos e não te vejo aqui. Porque dizes que me amas se nem a minha voz ouves? Porque queres calar-me os lábios com beijos se os teus braços não me abraçam? Porque é que as tuas lágrimas lavam o chão que sustenta outros passos?
Aqui, a rua cheira a ausência sempre que tento lembrar-te, vejo-te mas não te encontro, o teu olhar não está aqui comigo e morro um pedacinho em cada segundo que roubo ao tempo.

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