Entretanto, aqui caiu a noite, e aí?... Ana Fonseca da Luz


Sorrio, acho a frase bonita. Podia mesmo ser uma frase de um livro, de um bom livro. Mas não. É apenas uma conversa entre amigos, bons amigos, que não se vêem há longos anos. A vida tem destas coisas! Quando menos se espera, a pessoa em quem não pensamos há séculos aparece-nos, como que por milagre, ao virar de uma esquina. E a vida tem tantas esquinas!… Pena nem sempre as contornarmos com sabedoria, as esquinas da vida, quero eu dizer! E depois, não há volta a dar, só nos resta seguir em frente.
De qualquer maneira, não deixa de ser delicioso recordar os anos dourados da adolescência e descobrir, em pequenas frases rematadas por reticências, que tanta coisa fica por dizer, ora por timidez, ora por medo de assustar quem está do outro lado e que, na realidade, nós não conhecemos. Ou será que conhecemos? Porque há pessoas que nunca se esquecem, por mais esquinas tortas que contornemos, ao longo das nossas vidas.
Entretanto, aqui já caiu a noite. E aí?
Olho pela janela e alegro-me, ao reparar que os dias começam a espreguiçar-se e a ficar maiores. Alegro-me, só de pensar que, dentro de dias, o meu jardim vai começar a ficar salpicado de pequenas flores, que explodem e anunciam o esplendor da Primavera..
São assim as nossas vidas, ora cheias de esquinas, que contornamos sozinhos ou mal acompanhados, ora de momentos de simples felicidade, em que rimos juntos com um bom amigo, que nos diz que ainda se lembra da cor dos nossos olhos, apesar de não nos vermos há tantos e tantos anos, e em que a cumplicidade é tanta, que até nos deixa espantados. E damos por nós a rir alto e com vontade, como há algum tempo não acontecia. Um riso tão genuíno como quando tínhamos quinze anos. Não tínhamos nada, mas éramos donos do mundo, um mundo onde as esquinas da vida não eram sinuosas, mas perfumadas e eternas. Porque, nessa altura, tudo era eterno, tudo era para sempre.
O meu marido diz muitas vezes que eu tenho dois grandes defeitos. (Se fossem só dois!) Só ouvir metade do que as outras pessoas me dizem e nada do que ele diz. Mas duma coisa eu tenho a certeza: esquecer-me, só me esqueço do que eu quero. Do que eu guardo na minha gaveta secreta e que nunca abro, disso não me quero esquecer, porque há coisas que nunca se esquecem e o primeiro amor é uma delas.
- Entretanto, aqui já caiu a noite. E aí?
- Bonita frase para um livro!
- Achas? Por que é que não escreves qualquer coisa com essa frase?.
- Escrevo logo à noite, se tiver inspiração.
- Até logo, beijo.
- Beijo, gostei muito de falar contigo…
Malvadas reticências…

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