MÃE COM AÇUCAR... Ana Fonseca da Luz


Se há coisa que prezo nesta vida são os meus preciosos momentos de silêncio e de solidão. Provavelmente, daqui a uns anos, vou pagar a factura desta minha necessidade de estar sozinha agora, porque hei-de querer ter companhia e não a ter… Mas, para já, preciso muito destas duas palavrinhas que começam por “s”, Silêncio e Solidão.
Mas as minhas netas conseguem realmente acabar com o meu sossego.
Há momentos em que praguejo mentalmente, que lhes peço para me deixarem em paz, para, logo a seguir, me arrepender, porque estes minutos em que as três querem desfrutar da minha companhia e se atropelam umas às outras, para chamar a minha atenção, são realmente deliciosos.
Acabo por largar as minhas duas palavrinhas preciosas e dar-lhes a atenção de que necessitam e reclamam.
E depois, porque não sou uma avó muito convencional, mas sim uma avó toda “prá frentex”, como diz a Teresa, que é a mais velha, (9 anos) acabo mesmo por desistir de mim e ir “curtir” com elas.
Ora brincamos às “cabeleireiras”, onde eu sou a infeliz da cliente, ora aos “ballets”, onde não fazemos “pas de deux”, mas sim “pas de quatres”, ora ainda, e essa é realmente a minha brincadeira preferida, às patroas e criadas onde eu, diga-se em abono da verdade, me aproveito, porque sou sempre a patroa e elas as minhas criadas.
Hoje a Marta, que é a mais pequena, (5 anos) vinha radiante do jardim infantil.
Os olhitos escuros brilhavam de felicidade, quando me disse que tinha um segredo para me contar, mas que as manas não podiam saber.
A Carlota, que é fina que nem um melro, (7 anos), disse logo muito depressa que já sabia o que era, para ver se a mais pequena se descaía e lhe contava o segredo.
Resumindo, a minha casa mais parecia o programa matinal do Gouxa e da miúda loira, da qual eu nem sei o nome, em que todos gritam e riem muito e ninguém percebe nada do que se diz, mas onde toda a gente bate palmas.
Não havia quem se entendesse. A Marta chorava, a Carlota ria e a Teresa gritava, porque não tinha apanhado o princípio da conversa e se queria inteirar do assunto rapidamente. Bem vistas as coisas, aquilo mais parecia a Sessão do Parlamento, no dia de apresentar o Orçamento Geral do Estado!
Lá tive de puxar pelos meus galões de avó e pôr ordem na sala, antes que desatassem todas à chapada e a berrarem ainda mais.
Agora, um pequeno à parte: adoro ter só netas. Estas minhas raparigas são fantásticas, argutas, perspicazes e muito, mas muito engraçadas!
Adiante…
No fim da ordem restabelecida na minha sala e no meio de um sem fim de brinquedos, que elas já sabem que no fim têm de arrumar sozinhas, por mais que protestem, e com elas sentadas à minha volta, mais parecendo a galinha com os pintainhos, eis que a trama se adensa…
Onde foi que eu li que avós são mães com açúcar?
Não sei, não me interessa, mas é verdade.
Ora o que se passou foi o seguinte: a pitorra de 5 anos tinha andado aos beijos na boca a um coleguinha da escola.
Mal ela nos contou, e enquanto a do meio caiu na gargalhada e a mais velha se fingia muito escandalizada, eu fazia contas, à pressa, para me lembrar de quando tinha dado o meu primeiro beijo na boca, chegando à conclusão de que tinha sido muito, mas muito mais tarde do que aos 5 anos.
Eu não sei onde é que eu, às vezes, vou buscar ideias tão rapidamente, para deixar a minha prole feminina, toda contente com as respostas, juro que não sei…
Olhei para todas, uma de cada vez e para cada qual com o respectivo sorriso de que cada uma precisava. Para a Teresa, com um sorriso de como quem diz “não ligues que ela é ainda muito pequenina”; para a Carlota, que é a mais manhosa, “não chateies a tua irmã, ou temos o caldo entornado” e para a autora do crime, como quem diz” isso não se faz, mas se está feito, feito está”.
Mas estas raparigas não param de me surpreender e de me roubar sorrisos e gargalhadas e de me proporcionar os momentos mais felizes da minha vida.
Então, resolvo dar uma de avó e, com um ar o mais sério que consegui arranjar no momento, disse à pequenita:
- Mas, querida, tu não podes andar aos beijos na boca aos teus amiguinhos… Só podes dar beijos na boca, quando te casares. Antes disso, nem pensar!
Pergunta a Teresa:
- A avó só deu beijos ao avô depois de casar?
Responde a Carlota muito depressa:
- Claro que não, parva. Então a avó já casou à espera de bebé…
E remata a criminosa:
- Ó avó, foi tão bom… Posso casar amanhã?
Realmente as avós são “mães com açúcar”, mas os netos são sem dúvida nenhuma o mel que nos atenua as rugas e os ladrões dos nossos sorrisos.

(Para a Pipa se rir, quando for maiorzinha)

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