O circo e o estender das asas... Ana Fonseca


Contempla com um sorriso e lágrimas imbuídas da ternura da memória o gracioso vôo da jovem que sulca os ares…

O circo sempre foi o seu lar. Nele cresceu rodeada de palhaços que vivem a vida a fingir que não têm a dor “que deveras sentem” ou a dar-lhe voz para fazer rir os outros - Como é tão fácil rir das desgraças alheias, tão difícil rir de nós próprios, das nossas maleitas! – bem como rodeada de malabaristas, domadores de leões e ilusionistas. Uns tentam equilibrar os infortúnios da vida, os tropeções que dão no caminho, ou outros fingem-se fortes e fazem por amansar a fera que há em si domesticando os outros. Quanto aos últimos, que dizer?! Todos tentam, todos vivem a ilusão.

Está no auge da sua beleza feminina, aquele auge que não tem idade e é com alegria que mantém viva no seu coração a menina que a habita pois o corpo esse é de mulher, ainda firme mas em plena posse da maturidade das suas formas.
Diariamente sulca os ares sem mostrar as suas asas. Voa e entrega-se à volúpia dos movimentos que lhe faz o sangue correr, o coração bater mais acelerado mas em perfeita sintonia com os gestos que desenha no ar.

Lá em cima, é feliz!
Esquece tudo. Esquece a angústia que sente por não serem capazes de lhe ler os olhos, de lhe verem a alma, por a quererem mais pelo corpo do que pelo ser. É tão triste estar rodeado e ser só.
Ninguém a conhece nem quer verdadeiramente conhecer.
Chega-lhes a graciosidade, a sensualidade, o manejo sensual e firme do andar que não é propositado, é simplesmente o seu estar.
Chega-lhes o corpo e esquecem que é um simples invólucro, que envelhece e se não houver Amor no olhar que o contempla, respeito e sintonia com a alma que o habita, nada vale a pena e tudo se perde.
Deixam-lhe mensagens por debaixo da porta da caravana, enviam-lhe flores, dedicam-lhe serenatas mas nos seus olhos não há amor, só volúpia, só desejo e ela segue doída e só, o seu compromisso de vida é com o Amor!

Agora, volvidos trinta anos, a seu lado na plateia, enquanto observam os gestos graciosos da filha no trapézio, aquele que lhe soube ler a alma no olhar de mulher, aquele que ainda hoje a aconchega nos braços, a abraça e lhe sussurra ao ouvido “ Sempre que para ti olho vejo a imagem do dia em que te conheci!”.
O seu rosto sorri, os olhos banhados por lágrimas de gratidão abrem o rosto a um beijo amado, tocado pelo afago da alma que é o seu complemento, o equilibrar da chama, o seu outro lado.

Já não tem medo de mostrar as asas. Todos os dias e todas as noites voa e sabe que, seja do outro lado da Lua ou aqui, há um abraço que a espera, um colo seguro que a respeita, reconforta, anseia e liberta simplesmente porque ama.

Nenhum comentário:

Postar um comentário