RECANTOS - o silêncio, a chuva e as luzes... Francisco Valverde Arsénio










Sentámo-nos, senti-te, ouvi-te o sangue correr apressado por dentro das veias. Abraçaste-me entre suspiros e a pele macia do teu rosto tocou o meu. Viajámos, partimos sem destino ou rumo e vimos o mar numa tarde onde o sol já se tinha deitado e não havia gaivotas.
Não sei descrever a viagem, sei apenas que o vento era salgado e no ar não havia pólen das árvores, sei que chovia ou então seriam os meus olhos feitos nascente do momento. Agarrámos a noite numa sofreguidão de esquecimentos onde as sombras não existem e tu ali, tão diferente do destino traçado nas estrelas. Vi-te olhar insegura uma e outra vez, julgaste-me uma ilusão trazida pelo vento ou pelas gotas de chuva que teimavam em cair, ou talvez uma sombra ou o que resta dela, e ias-me espreitando. Não pedíamos o tempo um ao outro mas podíamos olhar, tocar, sorver cada instante, cada fracção da hora, procurar todas as primaveras e agarrar o reflexo que nos saía dos olhos.
Nunca te esquecerei mesmo que não voltes mais aqui, não importam outros acontecimentos passados, outras chegadas, outras partidas, o que importa é que tu és tu, marcaste um lugar em mim e lá viverás mesmo que nunca o habites.
O frio alterna com a chuva mas o calor que emana de nós embacia os vidros, sei que o Tejo está lá ao fundo, que nos espreita e que nele correm todas as lágrimas que saltam da paixão. Se a poesia chegasse com os pingos de chuva, ela desenharia nas estrofes a maciez da tua pele, o perfume do teu cabelo, o gesto fino dos teus lábios, as tuas mãos, o teu calor.
A noite cobre o lugar e as luzes do palacete dão um ar fantasmagórico às árvores que nos circundam, a calçada brilha como um espelho quando recebe a chuva forte e o mundo fecha-se em nós, morre na tua beleza, em cada pormenor do teu corpo. Morre ao toque incontido, às sensações eléctricas dos dedos, ao desejo que inunda o ar. Não sei pintar-te, apenas tactear-te em cada centímetro de ti e deixar no teu corpo as cores que os meus olhos transportam. Um dia serei capaz de te fazer um poema, já me deste o mote e a arquitectura das palavras, mas as nuvens ainda continuam a deixar cair água.
Fecho os olhos e sei que regressarás um dia para completarmos a obra suspensa nos pingos de chuva… agora, sinto-te a respiração por entre o silêncio, são pequenos murmúrios, leves, breves, são passagens fugidias para o reino dos deuses. Num determinado momento, todas as estrelas se acendem e ficamos imóveis na espera que a respiração normalize.
Ouve-se o latir de um cão e as luzes do palacete incidem no teu rosto, um sorriso de felicidade espreita nos teus lábios e a chuva pára, as minhas mãos seguram as tuas e encostas a cabeça ao meu peito.
Um dia, faremos com que o rio desagúe novamente no mar.

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