A VIDA A DOIS TEMPOS... Francisco Valverde Arsénio









Por entre esperas, chega um determinado dia e julgamos o coração preparado para o momento aguardado. Não sabemos como será esse momento, ainda não foi vivido, e no entanto esperamo-lo, ansiosos, com todos os poros abertos. Mas se não vem? Se ficamos tão-só na espera, na angústia? Permanecemos imóveis, como quem olha para uma árvore sem folhas e sem frutos. Como pode uma árvore não ter folhas nem frutos? E esperamos inertes todos os dias, escancaramos as portas e escondemos as chaves para que o momento ao chegar não encontre obstáculos.
Há um tempo próprio para cada um de nós, somos únicos na essência e no reencontro das fragilidades. Fui sempre tímido, escondia-me das multidões mesmo vivendo dentro delas, e não gostava que falassem de mim. Dei conta muitas vezes que me miravam de alto a baixo, que me despiam, me tiravam as medidas e olhavam para o risco do cabelo. Outrora, perguntavam-me o que fazia para não engordar, porque cresci tanto ou porque eram pretos os sapatos. Perguntavam-me se lhes podia explicar isto ou aquilo, se lhes lia a carta que tinha chegado de França, que remédio era aquele que o doutor escrevera na receita, porque andava sempre com um caderno debaixo do braço, porque sabia os reis de todas as dinastias, porque havia guerras lá longe ou porque é que o Verão já não era como antigamente.
Nunca quis ser o sabe tudo, o que lia as legendas em voz alta para que percebessem os filmes ou que me seguissem os passos. Sempre gostei da solidão – não de estar só -, de momentos introspectivos. Sempre gostei de aprender com todos e cada um, até com os que me faziam perguntas, de falar com as plantas e de contar as estrelas do céu. Gostava de me sentar junto duma árvore, mesmo daquelas que não tinham folhas nem frutos, de desenhar palavras no caderno, mundos que guardava na cabeça. Algumas pessoas ainda me vêem como uma espécie rara, «olha o meu menino, há tanto tempo que não te via, filho»; ainda há quem assim me trate, me aperte o rosto até doer, me dê beijos demorados, barulhentos e que me lambuzam a cara, e me aperte as costas com toda a força num abraço.
Mas eu ando apenas com um caderno debaixo do braço e nem sempre pinto palavras. «Tu escreves tão bem, o que eu chorei quando li o teu livro…», «mas Ti Ermelinda, vossemecê nem sabe ler…», «era a Alice que lia mas era como se fosse eu. Ai se a tua mãe que Deus tem ainda cá estivesse…».
Quantas vezes esperamos, esperamos, sem sabermos se estamos preparados para o encontro. A porta até pode estar aberta mas nem sempre aparece quem está no outro lado de nós.
Reencontrei uma pessoa há dias. Confesso que a tinha esquecido de todo. Os anos passaram e a distância geográfica entre nós é considerável. Reconheceu-me naqueles olhos tão pequeninos que mal contiveram as lágrimas. E falou de mim, de quando eu era criança… «ainda tenho o teu livro mas já ninguém mo lê… quando é que fazes um poema para mim?».
Comecei a escrever sobre uma coisa e acabei discorrendo sobre outra…

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