Dia 251.... Joaquim Pessoa


Um dia o tempo, quero dizer, o Tempo acabará. Depois de
acabar o mundo. Também quero dizer, o Mundo. E este Mundo, agora tão cheio de pressa e tão cheio de coisas, assistirá a um enormíssimo crescimento do vazio que durará nem se sabe quanto porque ninguém restará para medir o tempo, e isso quer dizer que se o tempo não for medido o tempo não interessa, não existe. É o tempo zero
e o tempo final. O que está entre os dois, este nosso tempo, o tempo do Tempo, não haverá mais. O silêncio ocupará todos os lugares. O lugar das falas, o lugar da música, o lugar do trovão, o lugar das queixas, até dos sussurros de amor. E o vazio ocupará o lugar das casas, das cartas, das cabras, das crias. O silêncio estará no sítio dos poemas, das fotografias, do mar, dos quadros dos pintores que antes tinham enclausurado, em silêncio, nas telas, alguns bocadinhos deste nosso tempo e deste nosso mundo. E já não haverá ratos, nem rolhas, nem roscas, nem rotas, nem raios, nem raivas, nem rosas, nem rios, nem riso, nem sequer o remorso. Nem restará um texto, um tecto, um til,
ao menos. O que existirá, não poderemos saber. Talvez uma imensíssima, uma infinita seara de átomos maduros, para a qual não existirão ceifeiros, nem padeiros, nem bocas que possam mastigar, com todo o tempo do mundo, o pão azul da eternidade.

in ANO COMUM, Litexa, 2011.

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