Dia 345.... Joaquim Pessoa


Era uma senhora de Góis.
Alentada, pesava-lhe a alma na balança.
Dois filhos, dois esposos, três anos de viúva.
Disse muito prazer e perguntou-me
se estava bem e como escrevia os versos.
Eu disse-lhe estou bem e os versos nem sei
como os escrevo. Só dou por eles quando
estão cá fora. É uma luta, uma boa luta que
não me deixa pensar nisso. Depois, sim.
Começa o trabalho. Corta aqui, aumenta ali,
troca acolá. E, agora, deixa-me ver: não!, ainda não
é isto!, que raio me deu para encaixar aqui
esta palavra? Troco-a por esta outra, faz sentido
um substantivo mais hábil e mais doce, não
acotovela o verso. E este verbo? Não é
o indicado, não dá força à ideia, é preciso
vasculhar o sótão da cabeça em busca de melhor.
Ah! Eu sabia!, já está! Bem me parecia que
podia melhorar. Está quase perfeito. Quase. Quase.
Leves toques apenas para aumentar o ritmo.
Apara-se, lima-se, vai-se polindo até que o brilho
das palavras possa, enfim, surpreender. Sabe?,
não gosto de palavras baças. Molhadas, sim. Mas
cheias de sol. E no final, quando acabar,
cantará um pássaro azul dentro de mim.
Foi também um prazer conhecê-la,
Dona Aurora. Que nome luminoso e lindo
a senhora tem! Ainda um dia
lhe farei uns versos!

in ANO COMUM, Litexa, 2011.

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