Estou bem, graças a Deus... Ana Fonseca da Luz


Esta manhã, sentei-me sozinha no café onde sempre nos encontramos, para um pouco de má-língua. Já estava para me vir embora, quando as minhas amigas chegaram. Atrasaram-se. Acontece…
Nem sempre a vida nos corre como queremos. E passamos a vida a querer. A querer aqueles sapatos que vimos numa montra, no shopping, a querer trocar os tapetes do quarto, porque já basta sair todos os dias da cama contrariadas, não precisamos de ter logo pela frente aqueles malditos tapetes que a sogra nos deu pelo Natal, e que nós odiamos e o marido adora, a querer que o marido e os filhos se calem, nem que seja meia hora, para podermos ter um pouco de sossego no nosso sagrado lar. A querer, a querer… a querer. A partir de hoje, não vou querer mais nada.
Quando as minhas amigas se sentaram, a primeira coisa que me disseram foi:

- A nossa amiga Laura tem um tumor na cabeça.

O meu coração entrou num ritmo acelerado e o café deixou de ter gosto.

- Não é verdade! – respondi.

- É, infelizmente é verdade!

Começaram a contar-me o pouco que ainda sabiam, mas sabiam que era verdade. Desliguei, deixei de as ouvir e só conseguia pensar no que ela já tinha passado, durante toda a sua vida. Cedo perdera a mãe. Mais tarde, tinha perdido uma filha com pouco menos de um ano de idade. Acompanhou também um irmão num processo de drogas que acabou por o matar. Nunca a ouvimos desanimar, nem nunca a ouvimos dizer que queria tanto uns sapatos que tinha visto numa montra do shopping.
Apenas ansiava por uma coisa: reformar-se cedo, para mandar os patrões à fava, ficar em casa e poder estar o mais tempo possível com os netos para os estragar com mimos…Coisas de avó…
A Laura é uma pessoa maravilhosa. Com certeza tem os seus defeitos, como todos nós, já que ninguém é perfeito. Mas, todos os defeitos que possa ter são insignificantes, perante todas as qualidades que lhe conheço. Uma belíssima mãe, uma esposa dedicada e uma avó tão doce como um rebuçado de mel.
Hoje, foi fazer mais um exame e tenho a certeza de que vai ser ela que vai dar forças ao marido e dizer-lhe que tudo se há-de resolver. Grande Laurinha!
Esta tarde fui ao shopping. Passei pela montra onde estão os sapatos de que tanto gosto e já não os achei tão bonitos. Pareceram-me mesmo feios! Prometi a mim mesma que, amanhã, quando me levantar e puser os pés em cima dos meus tapetes, vou agradecer a Deus por mais uma vez me levantar e ter saúde para os pisar.
Logo, quando me deitar, vou dedicar as minhas orações à minha queridíssima Laura e pedir a Deus para que ela vença mais esta batalha, porque, a guerra contra a morte, eu sei que ela já venceu.

(Este texto foi escrito em Fevereiro de 2006. Depois desta data, a minha amiga “Laura” já perdeu outro irmão, o pai e o marido e sempre que lhe perguntamos como é que ela está, ela responde com um maravilhoso sorriso: – Estou bem, graças a Deus.)

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