Um ato de (in)sensatez... Francisco Valverde Arsénio


Nunca te ofereci o meu corpo e acredita que não me arrependo de tal acto. O que de facto me arrependo é de não ter seguido os meus impulsos, quis que a razão ficasse à frente da vontade e nem imaginas a minha luta interior para que tal acontecesse. Tu sabes da minha vontade, conhece-la tanto quanto eu conheço a tua e há vontades terríveis e tu és uma delas.
Luto em cada segundo para aguentar esta ausência de nós, sei que preciso agir com a cabeça porque me apeteces todos os dias da mesma forma que me apetece viver. Não sei se esta necessidade de ti é real ou abstracta, mas pensar-te é como se te tivesse e isso eu necessito. Não sei se alguma vez te terei ou se me entregarei assim, mas és sem dúvida uma vontade real. Contigo vivo as mais loucas fantasias, solto-me, ouço-te e cheiro a tua pele, sinto-te minha… tão minha. Tens o condão de preencher todas as minhas falhas… apeteces-me tanto. Surgiste por entre os minutos duma hora adormecida, por entre o limite da tarde e da noite, da madrugada e dos primeiros raios de sol, quando os pássaros esvoaçavam no mês de Maio… lembro-me dos primeiros sons que romperam dos teus lábios quando me contaste que as estrelas percorriam o caminho dos amantes. Eu fiquei quedo, aprisionado nos teus olhos que eram como um jardim suspenso e por momentos atravessei memórias de locais encantados.
Escrevo-te enquanto ouço Chick Corea em “Return to forever”, e as palavras que ainda borbulham dentro de mim ordenam-se num cenário de sonho… e há flores dispersas pelos meus dedos desabrigados de emoções. O som duma flauta sobressai dos demais metais e a tarde dança nas linhas paralelas do caderno. Há um tropel de mil cavalos a rebentar-me no peito quando me fixo nos teus olhos, esses olhos que têm cidades dentro e pessoas que se passeiam pelas ruas. Chovem palavras na minha pele porque não tenho a tua, um grito aflora-me nos lábios como um relógio que teima em marcar apenas a meia-noite e os vitrais das velhas igrejas rasgam a luz em fios multicolores. Não há regras na solidão dos espaços nem explicação para a nudez das paredes inundadas de paisagens adormecidas, não há ritmo nem compasso na disseminação de vocábulos desordenados.
Escrevo-te apenas e tão-só como se fosse um peregrino que percorre a passos lentos o caminho do santuário, como se fosse um deserto ou uma aldeia abandonada, um barco que rasga as intempéries do Inverno ou uma folha solta que transgride a fronteira do jardim. Tu sabes quem sou e porque esmago no estômago as horas solitárias, porque te penso, te questiono ou respondo em cada silêncio. Nunca te ofereci o meu corpo porque és uma conquista permanente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário