No liquefeito espelho... Ana Fonseca


Deambula por entre as paredes como quem procura um mirante escarpado, uma saliência no vazio do muro que lhe alberga os sentires de ausência e desconcerto.

Ergue-se a custo na permanência das horas e soluça na inconstância das memórias… há um quê de mágico e desconcertante nesse lapidar dos ponteiros constante.

Já nada sabe do que lhe tolhe os sorrisos num amachucar amorfo de uma folha de papel, num soluço inconstante de leito desfeito, num imberbe sorriso que lhe tolhe o peito.

A custo, levanta-se. Sente-se como se carregasse o peso do mundo às costas, como se uma tristeza imensa lhe tolhesse os movimentos e lhe pesasse as pálpebras em busca de um adormecer lento e presente, eterno.

Procura um espelho. A imagem que este lhe devolve é um transfigurar de esperanças. Há uma palidez no olhar, um sorriso defunto nas faces, um gotejar dolente dos olhos, um cansaço. Onde paira o viço que lhe dourava as rosáceas com o aroma das papoilas a despontar oásis das searas maduras, tantas vezes percorridas de pés nus e olhares que pairam nas asas do tempo em cotovias errantes?

Onde?

Numa ânsia de encontro, de libertação, entra no espelho. Este, frio e expectante, estende-lhe a mão e encaminha-a rumo ao desconhecido de si, aos tempos que perdeu na alvura sombria das decepções consentidas e num misto de raiva e alegria despe-se do frio que a envolve, do peso das horas que se desprendem em camadas errantes de pele e mergulha tépida na eterna luz que a abraça.

Num esbracejar suave, coloca as mãos em prece junto ao rosto que arde como o mármore e evoca uma prece, uma imagem que a rescalda, a ressuscita e vê caírem todos os estilhaços do espelho que partiu e se desfez em mil pedaços…

Agora, sem nada que a prenda, sem caminho de regresso ou norte, sorri e todos os seus contornos se desvanecem… sabe-se perfeita e só, tranquila em si e escolhe o que quer determinada, passo a passo.

Já não deambula.

Agora cada passo é um pensamento consentido, equilibrado num manto de alvura que lhe atapeta o chão por onde desliza descalça, livre para se abraçar sempre que o sentir lhe pedir e nesse abraço cabem todos os amores, todos os sorrisos, todos os gestos, todos os carinhos, todas as palavras a proferir no segredo da alma que se quer una, indivisa na multidão que a habita.

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