O Santo Graal - Ao encontro da dignidade... Ana Fonseca


Sinto a secura do chão e uma humidade feita de antiguidade, orvalha-me os poros num calafrio…
Um corredor… não. É mais um túnel, um túnel escavado na pedra cujos archotes guiam os meus passos num aroma a óleo e a tecido e de cujo eco saem versos da “Chanson de Roland” que me tomam os sentidos.
Desfilam perante meus olhos, cavaleiros jovens, altivos, confiantes, cheios de sonhos… passam e não me vêem.
Sigo-os.
Por entre os apressados e decididos contornos, vejo recortar-se uma porta semi-redonda com insígnias a decifrar.
À nossa aproximação, num inaudível “abre-te sésamo”, abre-se de par em par deixando entrever uma enorme sala oval.
Ao centro, uma mesa redonda encimada por um cadeirão ornado a brocado e sem esforço reconheço… estou na corte do Rei Artur e na minha presença tenho os seus Cavaleiros... aqueles das lendas, das memórias a desvendar…
Não sei porquê mas não me sinto surpresa. Tudo em meu redor é-me familiar, sinto-me omnipresente neste lugar.
Mais uma figura entra no salão.
Que presença, que encontro me desponta o seu olhar… como eu o conheço, bem como aos duzentos e sessenta degraus que conduziam ao seu refúgio, ao seu ninho de conhecimento em perfeita alquimia de ser e estar. É Merlin!
Aproxima-se de mim. É o único que me vê e eu sei bem o porquê. Entre nós esmorecem as palavras, os pensamentos desfilam tranquilos e lúcidos pelas janelas da nossa mente.
Acompanho-o.
Num lapso de tempo encontramo-nos num espaço entre tempos.
Sim, porque o tempo é o único Senhor intemporal e percorrê-lo é deslizar numa via láctea em espiral e lá nos encontramos numa ponte entre estares com toda a reminiscência à disposição do olhar.
À nossa frente desfilam imagens e vejo a demanda dos Homens em busca do Santo Graal. Quanta angústia, quanto acreditar, quanta entrega, quanta desesperança, quantas vidas ceifadas no gume da perseverança para que só alguns, na entrega, na desistência, lhe vislumbrassem o semblante, o contemplassem na luz que irradia.
O Santo Graal, o cálice da vida que nos habita sereno, incólume à conquista.
Não precisamos falar. Sei porque estou aqui.
Sei que faço do Amor o meu Santo Graal, sei que habita os poros de mim e que, mesmo assim, o continuo a procurar. Sei que é tempo de parar, de perceber que o que o torna real é a Dignidade que se bebe do seu cálice. Agora sei que o Amor e o Amar são cegos até a encontrarem. Sei que é ela, a Dignidade, que nos permite exercermo-nos dia a dia, em escolha, em consciência. Sei que sem ela somos uma pálida lembrança do que nos habita, deste cálice que em nós transborda sem esperar por ser colhido por quaisquer lábios, deste cálice que Ama, sempre, mesmo quando nos ausentamos de nós ou do caminho. Sei que nos aguarda, que nos ilumina, que é o archote ao fundo do caminho pronto a desvendar-nos um paraíso… se o soubermos olhar.
Obrigada, Merlin, por me ajudares a recordar.

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