Quase Primavera... Francisco Valverde Arsénio







A ameixeira expõe ao sol os novos rebentos e as pequenas flores. As abelhas rodeiam as pétalas frágeis numa dança tribal e iniciática. Eu… solto sílabas e palavras, penso no teu nome e soletro-te. Imagino-te uma pequena corola que desponta em mim e deixo que o teu corpo tome conta do meu sem que as abelhas impeçam a serenidade do instante, és um pequeno rebento que me enche o peito e se faz rio, ternura mansa na brisa fresca, na bruma e na fonte de água cristalina. Apertas-me a mão e cada folha é o porvir na matiz celular dos teus lábios, uma luz, um devir. Subo os meus olhos baixos na direcção dos teus e sou em ti como a semente da terra, como a crisálida da borboleta, como o fruto da flor. Olho-te plantada na palma da minha mão numa cintilação profusa e plena de nascente ininterrupta, és seiva e verbo, sol e lua. Outras abelhas disputam a flor enquanto me aninho mansamente no sorriso dos teus lábios, mil sóis renascem numa dança de eclosão do universo e encostas o teu peito ao meu. Ouço a respiração que ecoa em ti e afago a tua pele macia de primavera.
Os olhos com que te contemplo humedecem, sorrio-te e plasmo-te indelével no coração. Não te chamo amor porque ainda não sei como pronunciar, sei apenas o espaço que ocupas em mim, a tua magia e gestos que se perpetuam nos ramos da ameixeira.
Aqui não há rios nem mar e deixamo-nos impregnar pelos sons vindos das asas das abelhas, nos meus dedos formam-se pequenas gotículas emanadas pelo calor das tuas pernas e dançamos numa roda imaginária. Pássaros e brisa percorrem o céu por cima das árvores carregadas de pequenos rebentos e nos nossos corpos começa a nascer um turbilhão ciclópico tal como o bater das asas das abelhas. Aqui e ali, uma pequena folha olha-nos demoradamente e detém-se no teu colo feito tela de cores primaveris.
Não há lua nesta tarde pintada de luz, há apenas amor feito por entre os braços ainda despidos das árvores. As abelhas chegam e partem em voos regulares e os meus dedos ensaiam nova dança nos teus cabelos. Tal como as abelhas, os nossos momentos libertam as asas da espera e esquecemos o tempo efémero dos dias que escasseiam. Um dia encontraremos um verbo que se possa conjugar no presente e deixar-nos-emos guiar pela verticalidade dos sentimentos, pela claridade dos olhos, pela navegação dos dedos. O universo é sábio e nós somos os filhos predilectos desta exclusividade de quereres, somos o desafio, a maçã madura, somos a nascente de todos os rios.
As abelhas sentaram-se nos ramos e vêem-me escrever.

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